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The King is dead, long live the King

Qualquer comunidade precisa de uma base de consenso e de ter consciência de que há momentos que merecem ser festejados em conjunto. Uma sociedade sempre em luta e zangada consigo própria esgaça o tecido social e tende a centrar-se no que a separa e a perder de vista o que a une.

The King is dead, long live the King
Rita Figueiras
29 de junho de 2022

No início de junho, a Inglaterra celebrou o jubileu de Isabel II. Os 70 anos de reinado da monarca foram festejados ao longo de quatro dias e de uma programação intensa. Cerca de oito milhões de pessoas deslocaram-se a Londres para, com os locais, festejarem o momento histórico, a que se juntaram muitos mais milhões através das transmissões em direto pela televisão para o mundo inteiro.
Sete décadas no trono é um feito excecional, apenas ultrapassado por Luís XIV (72 anos de reinado). Tal facto tornou este jubileu um evento raro, mas essa raridade pode ser explicada, também, por outras razões.

Em tempos de elevada discórdia e depois de tantos anos de dissensão, que estiveram na base do Brexit e na difícil saída do país da União Europeia, o jubileu foi um momento de tréguas e uniu a maioria da população em torno de uma causa comum. Foi um momento raro na história recente de Inglaterra e isso não é coisa pouca. Qualquer comunidade precisa de uma base de consenso e de ter consciência de que há momentos que merecem ser festejados em conjunto. Uma sociedade sempre em luta e zangada consigo própria esgaça o tecido social e tende a centrar-se no que a separa e a perder de vista o que a une. E o jubileu uniu o regime (neste caso, a coroa britânica enquanto entidade proponente do evento), os media e a população, que validou o evento com a sua presença no local e em frente ao televisor.
Nestes festejos, a televisão assumiu a função de mestre de cerimónia: explicou o valor simbólico de cada momento e legendou as imagens a partir de uma posição de apoio (e não com uma atitude crítica ou questionadora como se tornou comum). A adesão verificou-se, ainda, pelo facto de vários canais de televisão britânicos terem suspendido a sua programação regular para transmitirem o aniversário durante tanto tempo quanto a sua duração. Acresce aqui um outro detalhe. Depois de dois anos de pandemia, a que se seguiu a guerra da Ucrânia, pudemos testemunhar a atenção dos media canalizada para algo distinto. Aqueles eventos de catástrofe prolongada foram, durante quatro dias, substituídos por um evento de celebração.

O jubileu foi um acontecimento mediático e, simultaneamente, uma cerimónia antropológica. Foi performativo e simbólico na sua função social de renovar a lealdade com a autoridade e um centro de poder. Propôs-se, igualmente, dar continuidade à comunidade, ligando passado, presente e futuro.
Vejamos alguns exemplos: os festejos começaram com o trooping the colours, evento que assentou nos rituais setecentistas de quando foi criado. Dias depois, assistimos a uma parada que assinalou alguns dos eventos mais proeminentes de cada década do reinado da rainha. Por sua vez, os quatro dias de festejos culminaram num breve, mas altamente simbólico, momento na varanda do palácio de Buckingham. A rainha apresentou-se perante os seus súbditos fazendo-se acompanhar pela sua linha sucessória: Carlos, o seu filho mais velho, e William, o primogénito do próximo rei de Inglaterra.

O jubileu valorizou a história e a tradição, mas também se projetou no futuro. Este foi o momento em que a continuidade e a mudança foram ambas destacadas na passagem de testemunho.

Ainda assim, não há dúvida de que a rainha foi a figura central dos festejos, apesar de não ter estado presente na grande maioria dos eventos. A idade e o estado de saúde são as explicações imediatas, mas outros fatores poderão também ajudar a entender a sua ausência. Isabel II personifica o regime monárquico inglês (e há cada vez menos britânicos com memória de um tempo anterior ao seu reinado), mas o respeito e a gratidão que granjeou ao longo dos anos não se podem virar contra o próprio regime. Numa era de elevada desconfiança nas instituições e nos seus principais protagonistas, a coroa inglesa não pode correr o risco de entrar em crise com o desaparecimento da monarca. O regime precisa de sobreviver a esse momento crítico. Apesar de baseado na consanguinidade, importa não esquecer que este é um regime político pragmático que se edifica na proclamação: “the King is dead, long live the King!”

Algumas curiosidades:
- A coroação de Isabel II, em 1953, foi transmitida em direto pela BBC. Para além de ser o primeiro evento que o canal emitiu em direto, a emissão juntou 20 milhões de espetadores em frente ao pequeno ecrã. Esta transmissão foi significativa para a indústria televisiva a um outro nível. Nesta altura, os aparelhos de televisão estavam a deixar de ser um objeto de luxo (caros e de produção reduzida) para se tornarem num eletrodoméstico (baratos e produzidos em massa), e a transmissão televisiva do evento impulsionou a compra de televisores o que, por sua vez, arregimentou milhares de espetadores para este meio de comunicação.
- Londres é conhecida como a capital da CCTV, porque, em proporção à sua população, é a cidade com mais câmaras de vigilância no mundo. Isto significa que qualquer transeunte é filmado, em média, 300 vezes por dia nas ruas londrinas. E quando é que tudo começou? A primeira vez que foram colocadas câmaras nas ruas de Londres foi por causa da coroação de Isabel II. Colocadas de modo provisório para acautelarem a segurança do evento, este tipo de monitorização pública acabou por se tornar permanente.

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