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Para Além das Fronteiras: O Futuro dos Direitos Humanos na Europa

A União Europeia encontra-se numa encruzilhada sem volta. Pode continuar a priorizar a lógica da segurança interna, a criar muros e a empurrar a solução para outro alguém, ou, pode escolher a dignidade humana e criar políticas migratórias assentes sobre a hospitalidade e a solidariedade.

Para Além das Fronteiras: O Futuro dos Direitos Humanos na Europa
Rita Almeida
02 de julho de 2025

O ano de 2015 foi marcado pelo início de uma crise migratória, que se mostrou mais tarde, como um dos maiores desafios da história da União Europeia (EU). O território europeu tornou-se casa para milhões de migrantes que procuravam asilo. Estas pessoas conseguiram fugir de situações de guerra e perseguição, de lugares onde os direitos humanos não são tidos em consideração. Quando chegaram, depararam-se não só com fronteiras físicas, mas também com barreiras políticas, morais e ideológicas que revelam um desfasamento fundamental entre os ideais europeus e o modo como estes são postos em prática pelos seus estados-membros.

A União Europeia foi fundada depois da Segunda Guerra Mundial com o intuito de ajudar a estabelecer a paz e a cooperação, e a promover o respeito e a dignidade humana. Para tal foram criados instrumentos como a Carta dos Direitos Humanos e Fundamentais da União Europeia, onde são estabelecidos e protegidos os direitos pessoais, civis, políticos, económicos e sociais dos cidadãos europeus e de todos aqueles que escolhem viver na União Europeia (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 2000). No entanto, diante do fenómeno migratório em grande escala, a UE teve dificuldades para cumprir este compromisso com os Direitos.

Os motivos que levam à migração são complexos, desde a guerra civil da Síria, à turbulência política no Afeganistão, dos regimes repressivos nas regiões africanas, à intolerância religiosa. O direito internacional, especificamente através da Convenção de Genebra (1951), define uma obrigação legal de proteger as pessoas que enfrentam perseguições e conflitos, mesmo quando a separação entre o estatuto de refugiado e de migrante económico se torna difícil de determinar.

A reação da Europa a esta situação continua a ser marcada por dualidades. As quotas de recolocação de refugiados, juntamente com os acordos bilaterais com a Turquia, representam duas abordagens entre muitas que surgiram relativamente à coordenação e à solidariedade na Europa. O padrão de implementação de medidas de segurança fronteiriças em toda a Europa tornou-se mais forte, enquanto as responsabilidades de controlo da migração externa foram entregues a países que não respeitam os direitos humanos, através da externalização do controlo das fronteiras. A Europa implementou a militarização das fronteiras através de precauções de segurança que ameaçaram simultaneamente os princípios da livre circulação no espaço Schengen.

Estas medidas tiveram repercussões humanitárias graves, abrindo portas a atividades ilegais e à transgressão dos direitos humanos. Desde pushbacks(1) ilegais no mar, às condições precárias nos campos de refugiados, ao tráfico humano. A ideia de Europa como defensora dos direitos humanos foi-se desmontando devido à transgressão desses mesmos direitos. A crise dos refugiados deu também a entender a divisão interna presente na UE. Países da Europa de Leste como a Hungria e a Polónia rejeitaram os planos de recolocação compulsiva defendidos pela Comissão Europeia. Enquanto países como a Suécia e a Itália, foram os que mais receberam pedidos de asilo. Esta falta de solidariedade interna enfraqueceu a união e pôs em causa valores fundamentais da UE.

Este cenário desencadeou uma alteração no clima político, no qual nacionalistas e partidos populistas ganharam força, alimentando o medo dos migrantes (o medo do desconhecido), para conquistarem votos (Inglehart & Norries, 2016). De repente, o refugiado tornou-se alguém que não é visto como pobre ou necessitado, mas sim como uma ameaça à segurança nacional e à identidade cultural da sociedade, fomentando políticas cada vez mais fechadas e conservadoras.

Por outro lado, é notório um contraste no tratamento de um outro grupo de refugiados, os ucranianos. A resposta europeia à guerra na Ucrânia, que começou em 2022, mostrou que, quando existe vontade política, é possível acolher um grande número de pessoas de forma rápida e digna. Milhões de ucranianos, maioritariamente mulheres e crianças, ficaram imediatamente protegidos, com acesso à saúde, à educação e a oportunidade de trabalho nos países da UE. Esta resposta solidária, que deve ser reconhecida, contrasta de forma absurda com acolhimento hostil que muitos migrantes africanos, asiáticos e do Médio Oriente recebem. Enquanto o povo ucraniano foi recebido com expressões de solidariedade e com instituições oficiais de apoio, muitos refugiados sírios, afegãos ou sudaneses, por exemplo, enfrentam longas detenções em centros fronteiriços sobrelotados, pushbacks violentos ou até mesmo a morte nas águas do Mediterrâneo. A diferença de acolhimento evidencia as fronteiras geográficas, culturais e raciais, e como estas interferem nas decisões políticas.

As vozes religiosas e morais têm contribuído para uma abordagem mais humana na crise dos refugiados. Neste sentido, destaco o Papa Francisco que, com uma mensagem de cuidado e acolhimento constante, relembrou à Europa que os migrantes “não são números, mas pessoas” com direito à dignidade e à solidariedade humana (Papa Francisco, 2016). Mensagem esta que visa transformar o acolhimento migrante, não só num dever moral e humanitário, mas sobretudo, num grande teste para a autenticidade dos valores pregados pela Europa.

A crise dos refugiados não é só um desafio logístico ou de segurança nacional, mas um teste para mostrar a capacidade de a UE reiterar os seus princípios constituintes, a dignidade humana, a solidariedade, a justiça e a paz. As fronteiras, neste contexto, não se traduzem apenas como limites geográficos. Podem traduzir-se também em espaços de egoísmos e de medo, ou, de forma oposta, espaços de reunião, de diálogo e de integração. A forma como a UE vai decidir regular a sua fronteira não determinará apenas as suas políticas migratórias, mas a sua própria identidade política e moral.

A União Europeia encontra-se numa encruzilhada sem volta. Pode continuar a priorizar a lógica da segurança interna, a criar muros e a empurrar a solução para outro alguém, ou, pode escolher a dignidade humana e criar políticas migratórias assentes sobre a hospitalidade e a solidariedade.

O grande desafio para a UE não é apenas controlar fluxos migratórios, mas enfatizar com consistência os princípios que a caracterizam. A escolha entre segurança e direitos humanos será, afinal, a escolha entre o medo e a esperança, entre fechar e abrir, entre esquecer e nunca deixar de se lembrar do que significa ser europeu.

(1) *pushback – reenvio forçado
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