top of page
  • Facebook ícone social
  • Instagram
  • YouTube ícone social

Otimismo, resistência e compromisso

Durante muito tempo, os jovens foram vistos como “o futuro”, como se fossem apenas herdeiros de um mundo construído por outros. Mas hoje, mais do que nunca, é evidente que a juventude faz parte do presente.

Otimismo, resistência e compromisso
Dinis Marques
27 de agosto de 2025

Numa hora de encruzilhada da história como esta que vivemos não podemos fazer coincidir o relançamento da esperança unicamente com o cuidado pela expressão material da vida. Sem dúvida que é urgente garantir o pão e esse trabalho exigente – fundamentalmente de reconstrução económica – deve unir e mobilizar as nossas sociedades. Mas as nossas sociedades precisam também de um relançamento espiritual. Sem o pão não vivemos, mas não vivemos só de pão. (...) Jovens, ousem sonhar um mundo melhor.
Sintam que o futuro depende da qualidade e da consistência dos vossos sonhos.
- José Tolentino Mendonça, em Fátima, 13-5-2021


Vivemos tempos difíceis. Basta ligar a televisão, ler um jornal ou abrir as redes sociais para ver notícias sobre guerras, fome, desigualdades, desastres ambientais ou crises políticas. A possibilidade de olharmos para o futuro com otimismo é, atualmente, mais relevante do que nunca. É fácil perder a esperança, sentir que o mundo está a desabar e que o futuro será ainda mais incerto do que o presente. No entanto, as palavras do cardeal José Tolentino Mendonça apontam para uma outra atitude: a da esperança, da coragem de sonhar, da responsabilidade para com o presente e o futuro. Mesmo nesta “hora de encruzilhada da história”, não podemos desistir. Essa ideia ecoa dentro de mim e ganha forma quando olho à minha volta e vejo um mundo profundamente marcado por contrastes. De um lado, avanços tecnológicos e inovação. Do outro, a persistência da pobreza, a exclusão, o medo e o desamparo. Em cada esquina há sinais de desequilíbrios que se tornaram sistémicos. Mas é justamente ao reconhecer essa realidade que descubro a força de um otimismo que não se rende. Um otimismo crítico e atento que se compromete com a transformação. Não se trata de fechar os olhos às dificuldades, mas de ousar imaginá-las superadas, e de trabalhar para isso. Acredito que o futuro se constrói a partir da inquietação, da recusa em aceitar a injustiça como inevitável e do impulso de fazer diferente.

Tolentino aborda a urgência em garantir o “pão”, uma necessidade básica de todos. O acesso aos bens essenciais, como a alimentação, a habitação, a saúde e a educação, não deveria ser um luxo, mas um direito. E isso exige políticas eficazes, vontade coletiva e uma mudança no modo de pensar. O cardeal adverte, porém, que não vivemos só de pão. Esta afirmação remete-nos à dimensão mais profunda da existência humana, aquela que vai além da sobrevivência material. Vivemos também de dignidade, de sentido, de pertença. Numa geração em que o consumo molda prioridades, relembrar que os seres humanos não são apenas números, mas também consciência, memória e sonho, torna-se um ato revolucionário. E é precisamente aí que começa o verdadeiro otimismo: na ação consciente de cada um por um bem maior. Trata-se de construir um mundo melhor, ainda que em pequenos passos. Por isso, a política, tantas vezes descredibilizada, continua a ser essencial. Não como um jogo de interesses, mas como um instrumento de transformação.

E ao pensar mais além, percebemos que sonhar é um ato político. Como afirma Tolentino, “Sintam que o futuro depende da qualidade e da consciência dos vossos sonhos”. Sonhar não é fugir da realidade – é recusar aceitar que a realidade seja o único caminho. É imaginar alternativas, guiadas por valores éticos, de construção de pontes, de reparação de feridas. Desistir de participar na transformação é entregar o futuro a quem talvez não esteja disposto a cuidar dele com justiça e humanidade. A política deve ser a expressão de uma cidadania ativa, de um compromisso com o bem comum e de uma responsabilidade coletiva. Não podemos falar de otimismo sem falar de inclusão, sem reconhecer que um futuro melhor será sempre um futuro em que ninguém fica para trás. A solidariedade não pode ser apenas um gesto pontual: deve ser um modo de estar no mundo. Por isso, a ideia de um “relançamento espiritual” é mais atual do que nunca. E espiritualidade, aqui, não significa necessariamente religião. Pode ser um compromisso com valores como a solidariedade, a compaixão, a escuta ativa, o cuidado com os outros e com o planeta.

Não basta esperar que as coisas mudem! É preciso fazer parte da mudança. O verdadeiro otimismo não é o que ignora os problemas, mas o que acredita que eles podem ser enfrentados, e superados. É compreender que, embora não possamos resolver todos os problemas do mundo, podemos, sim, fazer a diferença no espaço onde nos encontramos. É através de pequenas ações que o futuro se vai moldando.

É importante salientar que, apesar dos perigos associados à era digital, não podemos ignorar o lado luminoso da tecnologia. Vemos cada vez mais comunidades ligadas em rede para ajudar os mais desfavorecidos. No entanto, como nos alertou o Papa Francisco na Fratelli Tutti (2020), estamos mais sozinhos do que nunca num mundo hiperconectado (cf. FT 12). Por isso, olhar para o futuro com otimismo também exige que repensemos o uso da tecnologia, que a coloquemos ao serviço da construção de um futuro melhor, e não da perpetuação da indiferença e da exclusão.

Vivemos numa época marcada por crises sucessivas: económicas, ambientais, políticas, humanitárias, identitárias. Mas também uma época de oportunidades. Nunca estivemos tão conscientes da complexidade do mundo, dos seus riscos e das suas possibilidades. Nunca tivemos tanto acesso à informação. Essa consciência, por mais desconfortável que possa ser, é um convite à ação. Um convite a abandonar a indiferença. Um convite a cuidar de quem está ao nosso lado. Essa visão do futuro requer também uma nova compreensão do papel dos jovens.

Durante muito tempo, os jovens foram vistos como “o futuro”, como se fossem apenas herdeiros de um mundo construído por outros. Mas hoje, mais do que nunca, é evidente que a juventude faz parte do presente. São os jovens que lideram manifestações, movimentos climáticos, que denunciam as injustiças e que exigem a mudança. Mostram que sonhar com um mundo mais justo é recusar aceitar o mundo como ele está. Nas palavras de Tolentino Mendonça, a esperança não é um sentimento frágil, mas sim uma força que tem as suas raízes na fé, na confiança de que somos capazes de mais e de melhor, mesmo quando o mundo parece estar constantemente à beira do colapso.

Ao longo dos últimos anos, percebi que a educação não serve apenas para acumular conhecimentos. Serve para nos tornar mais humanos, mais conscientes, mais despertos. Sinto-me cada vez mais informado, mas também mais disposto a intervir, a contribuir, a sonhar. Como nos diz o Papa Francisco, “ninguém pode enfrentar a vida isoladamente (...). Precisamos de constituir-nos como um ‘nós’ que habita a casa comum” (FT 8). A educação não é apenas formação, é um caminho para esse ‘nós’ solidário e comprometido. Um caminho que se faz com outros, e para os outros. Escolho acreditar, nas pequenas mudanças que crescem devagar e nas palavras que unem. Acredito que, mesmo em tempos difíceis, ainda podemos encontrar motivos para ser otimistas. E essa crença é, talvez, a forma mais corajosa de resistência.

O futuro não está construído, está por construir. Essa construção, no entanto, exige também que saibamos escutar as vozes dos outros. Histórias como as que encontramos nas páginas do Livro das Despedidas (Gradiva, 2024), de Velibor Čolić, lembram-nos que há quem insista em reconstruir, palavra após palavra, gesto após gesto. Essa persistência em não desistir da humanidade, mesmo quando tudo convida à desistência, é uma forma poderosa de esperança. Porque a esperança também nasce da fidelidade à memória, da recusa em permitir que a dor apague a dignidade. Como Velibor Čolić, que transformou o seu exílio numa ponte entre o que foi e o que ainda pode ser, também nós, mesmo sem atravessar fronteiras visíveis, enfrentamos ruturas. E também nós podemos escolher transformá-las em sementes de futuro. Mesmo quando a realidade parece despedaçada, há sempre algo que podemos salvar: a capacidade de imaginar, de cuidar, de acreditar. No fundo, o que está em causa é a forma como habitamos este tempo — não apenas como indivíduos isolados, mas como portadores de cidadanias que atravessam fronteiras, físicas e simbólicas, e que se responsabilizam por um mundo global onde ninguém deve ser deixado para trás. E é aí que o otimismo se torna mais do que um estado de espírito: torna-se um ato de resistência e um compromisso com a transformação. Porque, num mundo ferido, o verdadeiro otimismo não é o que nega as feridas — é o que acredita que elas podem ser curadas, e que o futuro, apesar de tudo, ainda pode ser melhor.

Mesmo entre escombros, ainda podemos escolher construir.

Mesa Redonda
Missão onlife:
Cultura
Sociedade
Casa Comum
Missão
bottom of page