O silêncio. Para alguns, ensurdecedor. Para outros, um abraço
Se não conseguirmos estar sozinhos, com nós mesmos, como poderemos esperar estar, verdadeiramente, com alguém?


Diogo Florentino
19 de fevereiro de 2025
No Dia de São Valentim, o mundo enche-se de promessas doces e declarações floridas. As ruas vestem-se de vermelho e rosa, os restaurantes lotam-se de casais, os chocolates esgotam nos supermercados. O amor, nesta data, transforma-se num evento público. O amor, nesta data, transforma-se numa vitrine, onde todos parecem procurar confirmação da sua devida felicidade. Mas e aqueles que passam o dia sem mensagens carinhosas? Sem rosas, entregues à porta? Sem jantares a dois? Para eles, a solidão torna-se mais visível, quase palpável. Uma presença, desconfortável, que o mundo insiste em vestir de pena. Mas deveria ser assim? Será, a solidão, de facto, um problema a ser resolvido?
A sociedade pinta-a como um estado de ausência. Retrata-a como um vazio, a ser preenchido. Como se uma pessoa, sozinha, fosse uma peça de puzzle, incompleta, à espera de encaixar-se em algo maior. Vivemos nesta era onde estar só aparenta ser um erro. Somos esperados, pressionados, a permanecer sempre rodeados. Sempre conectados, disponíveis. Cada instante mudo parece exigir uma distração imediata. Cada momento de tédio pede um ecrã a iluminar a mente. Ainda assim, de forma irónica, parece que nunca estivemos tão sozinhos. Nunca estivemos tão cercados de vozes e, ao mesmo tempo, tão distantes de nós próprios. Embora vista como um castigo, a solidão pode ser um presente.
Aprender a estar só é aprender a ouvir a própria voz. É olhar para o espelho e reconhecer-se, sem a necessidade de validação externa. É entender que a nossa companhia pode, sim, ser suficiente. Pois, se não conseguirmos estar sozinhos, com nós mesmos, como poderemos esperar estar, verdadeiramente, com alguém? É, estando sós, que descobrimos os nossos gostos, sem a influência de expectativas alheias. Passamos a escolher conteúdos, não porque são os mais recomendados, mas porque vimos neles algo neles que nos chamou à atenção. Ouvimos as músicas que nos emocionam, mesmo que não sejam as mais populares. Aprendemos a passear, com a companhia do nosso ser, sem sentir falta de nada. Tornamo-nos espectadores, atentos, da vida. Das cores do entardecer e das nuances do pensamento. A solidão não é um buraco negro, que nos suga para dentro. É um espaço, um espaço muito amplo, onde podemos existir. Sem constrangimentos, sem compromissos forçados, sem justificativas. Quiçá seja por isso que tantas pessoas temem a solidão. Obriga-nos a confrontar a verdade sobre quem somos. Sem as distrações, sem os filtros. Apenas nós. Nós e o espelho da alma.
Aceitar a solidão não significa rejeitar o amor ou a conexão com os outros. Significa, apenas, não depender destes para encontrar significado. O amor partilhado é bonito. Mas o amor-próprio é essencial. Estar sozinho não é uma fase a ultrapassar, não é um problema a resolver. Aprender a amar-me, para poder amar. Claro, a solidão pode, também, por vezes, ser cruel. Uma sombra persistente, que nos lembra da falta, da distância, da saudade. Por vezes, pesa sobre os ombros. Pesa muito. Há uma diferença entre escolhê-la e ser escolhido por ela. Entre abraçar o silêncio e ser engolido por ele. A solidão não pode ser uma fuga do mundo, mas um regresso ao “eu”.
Talvez o problema nem esteja na solidão em si, mas na forma como a interpretamos. Ensinados que, para sermos felizes, precisamos de plateia. Ora, eu acredito que a solidão não nos torna incompletos. Pelo contrário. Ensina-nos que já éramos, desde o início, inteiros.