O jardim do encontro
Não creio que alguém se terá esquecido de dizer-nos, durante o nosso processo de crescimento e formação (holística), como pessoas, que é tão importante a espiritualidade, como a matemática, a gramática e a educação física, mas suspeito que ela, a primeira, é bem mais importante.
João Pedro Chantre
21 de julho de 2021
Os dias do Solstício de verão trazem horas alargadas de luz, apesar dos limites destes tempos estranhos. Ainda assim, é possível corresponder ao convite da vila mais antiga de Portugal, Ponte de Lima, para visitar a 16.ª edição do Festival Internacional de Jardins. O conceito é simples: um tema definido, um concurso internacional aberto e um júri que seleciona doze projetos de jardins que serão depois implantados num espaço comum, na margem direita do rio Lima.
O tema deste ano: as religiões nos jardins, só por si, transporta, judeus e cristãos para o poema da criação, narrado no livro do Génesis: a imagem narrativa do jardim do Éden onde o Criador passeia na brisa suave da tarde. E não serão só judeus e cristãos, podendo-se acrescentar: e toda a humanidade de boa vontade. De facto, não são apenas os “religiosos”, os leitores dos livros sagrados, são também os que mantêm a curiosidade à flor da pele. Aqueles que questionam e se questionam, constantemente, os que procuram os vários sentidos da vida.
Um tesouro como a Bíblia não estará circunscrito a um grupo de eleitos. Aliás é muito ténue, ainda, o debate, nas nossas sociedades, acerca da recomendação da Bíblia como livro de estudo, a par da Ilíada de Homero, nas faculdades de letras das universidades clássicas. Antes mesmo do debate no interior das nossas comunidades, acerca do papel desta coletânea de livros, que é a Bíblia e que marca séculos e séculos da história da humanidade.
Haverá lugar mais convidativo, do que um jardim, para colocar a questão de Deus? Com certeza que sim. No momento mais vital de cada um, nos jardins interiores, ou exteriores de cada história pessoal.
Na verdade, as narrativas da criação, em várias religiões, comportam, entre muitos paralelos, aqueles elementos que consideramos próprios de um jardim: água, árvores, flores e frutos.
Quando, por exemplo, diante de uma árvore de enorme porte, como o carvalho, que pode atingir quarenta metros de altura e uma longevidade, que pode chegar aos mil anos, sentimos, provavelmente, o nosso lugar na desejada harmonia do universo. Ou, diante de uma oliveira, que segundo rezam as lendas: os romanos se maravilharam ao contemplá-la, no seu encontro com os gregos e logo a classificaram como uma espécie de ouro vegetal, para além dos outros atributos, como: sabedoria, paz, abundância, glória e fecundidade, entre outros.
No passeio entre os vários jardins, deste festival, os títulos de cada um, como um cartão de visita, vão recentrando os nossos sentidos. Expressões como as do jardim Religare, sugerindo o conceito clássico de religião: aquilo que nos liga ao divino; o Criador ligado à criatura e a criatura em movimento de procura pelo Criador, para se religar, num movimento de relação. Dito de forma tão sublime, como St Agostinho o fez: “Criastes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto não repousa em Vós”.
Ou, num outro jardim, cujo título: Peregrinação, como que remete o ser humano para a sua própria questão: o que é o homem, se não, um peregrino? E uma das respostas tem sido dada, de forma quase imediata: peregrinar é rezar com os pés; porque procurar é pôr-se a caminho, desejando um encontro. A prática ancestral da peregrinação continua bastante ativa nos nossos dias. Desde as conhecidas peregrinações a S. Tiago de Compostela que unem, no caminho, peregrinos crentes e não crentes, dos quatro pontos cardeais do mundo, até aos peregrinos dos caminhos de Fátima. A dimensão deste mistério, presente nas peregrinações, cuja conotação enigmática, nem sempre bem explicada, não significa qualquer realidade obscura, mas um convite à imersão na realidade que nos transcende. Só conheceremos se nos dispomos a caminhar. Mistério é participação, é mergulhar na água do jardim e experimentar, sem receios, tudo o que ele é.
Não creio que alguém se terá esquecido de dizer-nos, durante o nosso processo de crescimento e formação (holística), como pessoas, que é tão importante a espiritualidade, como a matemática, a gramática e a educação física, mas suspeito que ela, a primeira, é bem mais importante.
Ao longo dos anos o espaço das nossas cidades, foram dando lugar a jardins e parques urbanos, naturais, verdes, ecológicos, pedagógicos, etc.. Um dos jardins, deste referido festival, assume o título programático de jardim do Diálogo. Diríamos que é como que uma síntese desejada das várias notas, elementos e sugestões de todos os jardins deste festival: que as religiões se concretizem em espaços e tempos de encontro e diálogo, intra e inter-religiosos, onde valores como o diálogo para a paz se tornem realidade.