Liberdade e Saúde Mental: Escolher ou Sobreviver
Muitas vezes, quando se fala de liberdade, imagina-se que todos têm o mesmo ponto de partida. No entanto, quem sofre de problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade ou ataques de pânico, não vive essa liberdade da mesma forma.


Luana Quental
13 de agosto de 2025
A ideia de liberdade está presente em quase tudo à nossa volta. Dizem-nos que somos livres para escolher o nosso caminho, tomar decisões e ser quem quisermos. Mas será que isso é mesmo verdade para toda a gente? E mais importante ainda: será que somos livres quando a nossa própria mente se vira contra nós?
Muitas vezes, quando se fala de liberdade, imagina-se que todos têm o mesmo ponto de partida. No entanto, quem sofre de problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade ou ataques de pânico, não vive essa liberdade da mesma forma. Para essas pessoas, até as decisões mais simples podem tornar-se pesadas e difíceis. Algo como sair da cama, responder a uma mensagem ou ir às aulas pode parecer impossível. Não porque não querem, mas porque não conseguem. E se não conseguem escolher, será que ainda são livres?
Há quem acredite que basta “ter força de vontade” para ultrapassar essas dificuldades. Mas a realidade é mais complicada. Ninguém escolhe estar doente. Tal como ninguém culpa alguém por ter gripe ou uma perna partida, também não devíamos culpar quem sofre psicologicamente. Frases como “anima-te” ou “pensa positivo” mostram uma falta de compreensão do que é viver com dor mental. Estas pessoas não estão tristes por opção. Muitas vezes, sentem-se presas dentro da própria cabeça, a lutar contra pensamentos negativos, falta de energia e até o sentimento de culpa por não conseguirem “ser normais”.
Além disso, há também a pressão social para sermos felizes, produtivos e bem-sucedidos o tempo todo. As redes sociais mostram vidas perfeitas, onde parece que todos estão sempre a aproveitar ao máximo. Para quem está a passar por uma fase difícil, isso só aumenta o sentimento de fracasso. E quanto mais nos comparamos com os outros, mais nos sentimos sozinhos e sem valor. Nestes casos, a liberdade transforma-se em peso. O que devia ser uma escolha torna-se uma obrigação.
Também é importante lembrar que a liberdade não depende só da mente, mas também das condições à nossa volta. Uma pessoa com poucos recursos, sem apoio familiar ou num ambiente tóxico tem muito mais dificuldades em cuidar da sua saúde mental. A falta de acesso a psicólogos, a demora no sistema de saúde e o estigma que ainda existe dificultam o tratamento. Como se pode falar em liberdade de escolha se a própria ajuda está fora do alcance?
Até no meio académico, muitos estudantes vivem sob pressão constante. Provas, prazos, expectativas familiares, medo do fracasso, tudo isso pode afetar a saúde mental. E nem sempre há espaço para falar sobre isso. Muitos fingem estar bem por medo de serem julgados. A liberdade de falar abertamente sobre o que se sente ainda não é real para toda a gente.
A relação entre liberdade e saúde mental tem sido discutida por diversos especialistas. A psicoterapeuta norteamericana, Phyllis Chesler, afirma que "saúde mental ideal, como a liberdade, existe para uma pessoa apenas se ela existe para todas as pessoas". Esta citação destaca que a liberdade individual está profundamente ligada ao bem-estar coletivo.
No contexto português, o psiquiatra João dos Santos enfatizou que a saúde mental e a educação só são possíveis em democracia e liberdade, pois apenas nestas condições é que todos têm acesso à cultura e podem satisfazer as suas necessidades fundamentais. Esta perspetiva reforça a ideia de que a liberdade é essencial para o desenvolvimento e bem-estar mental.
Por isso, talvez a pergunta não deva ser apenas “somos livres”, mas sim “quem é que pode ser livre” e “em que condições”? Enquanto não tratarmos a saúde mental com seriedade, vamos continuar a fingir que todos partem do mesmo lugar, quando isso não é verdade. Falar de liberdade sem falar de saúde mental é deixar de fora uma parte importante da realidade. Uma sociedade verdadeiramente livre é aquela que entende que liberdade não é apenas poder escolher, mas também ter o apoio necessário para o fazer.
Se a mente é a base da nossa liberdade, o que acontece quando ela deixa de nos pertencer? Será que a verdadeira prisão não está nos muros invisíveis que carregamos por dentro?
No fim, ser livre não é só ter opções. É também sentir que temos energia, clareza e força para escolher. É saber que não estamos sozinhos quando a nossa mente nos empurra para o fundo. Para muitas pessoas, especialmente quem vive com sofrimento emocional, a verdadeira luta não é escolher, é sobreviver. E reconhecer isso já é um passo importante para que, um dia, todos possamos ser verdadeiramente livres.