top of page
  • Facebook ícone social
  • Instagram
  • YouTube ícone social

Infância como Período de Fronteira: Cuidar do Começo para Transformar o Futuro

Uma criança que se desenvolve num ambiente em que as suas emoções são desconsideradas ou ignoradas terá dificuldades em formar a sua identidade, autoconfiança e a enfrentar desafios.

Infância como Período de Fronteira: Cuidar do Começo para Transformar o Futuro
Carlota Mascarenhas
28 de maio de 2025

A noção de fronteira é frequentemente ligada a limites geográficos, mas pode tomar várias formas que ultrapassam a separação de territórios. No âmbito infantil, limites temporais afetam significativamente o crescimento das crianças, moldando a sua identidade, visão do mundo e relações sociais. Estas limitações podem ser estabelecidas por pais, professores e pela sociedade em geral, definindo o que é aceitável ou viável para cada criança.

Desde a infância, as crianças são apresentadas a normas e restrições que influenciam as suas ações e emoções. Enquanto certas fronteiras são essenciais para uma socialização adequada, outras surgem como obstáculos emocionais que limitam a criatividade, a independência e o bem-estar. Uma criança que se desenvolve num ambiente em que as suas emoções são desconsideradas ou ignoradas terá dificuldades em formar a sua identidade, autoconfiança e a enfrentar desafios.

Uma investigação realizada pela Universidade do Porto (Ferreira et al., 2020) constatou que crianças expostas a ambientes extremamente controladores, com pouca permissividade emocional, tendem a apresentar níveis mais elevados de ansiedade e a sentirem-se inadequadas. Esta tendência foi verificada por estudos do Center on the Developing Child da Universidade de Harvard (2016), que mostram que crianças que se desenvolvem em ambientes emocionalmente desfavoráveis têm maior risco de apresentar problemas de interação social e menos resiliência emocional na vida adulta. Estes dados confirmam a ideia de que a qualidade da infância influencia diretamente a construção de uma sociedade mais equilibrada e funcional.

Tomar consciência destas fronteiras invisíveis leva-me a revisitar as minhas próprias memórias de infância. Lembro-me de como um simples “tu consegues” dito na altura certa tinha o poder de iluminar o dia inteiro — como quando, no terceiro ano, hesitei antes de apresentar um trabalho à turma e a professora sorriu e disse: “‘bora lá!” De repente, senti-me maior do que era. Mas também me lembro do silêncio gelado depois de uma resposta errada ou de uma crítica dura, sem espaço para dúvidas nem para explicações. Uma dessas repreensões, injusta e feita à frente dos colegas, deixou-me a desconfiar das minhas capacidades durante muito tempo. Crescemos assim, moldados pelas palavras que nos são oferecidas. Somos, em grande parte, o reflexo daquilo que, ainda crianças, nos permitiram acreditar sobre nós próprios. Por isso, cuidar da infância é muito mais do que ensinar boas maneiras ou transmitir conhecimento: é um gesto de amor contínuo, uma decisão diária de plantar coragem onde poderia nascer o medo, de construir pontes onde tantas vezes se levantariam muros. Cada palavra, cada gesto, carrega esse peso: a escolha entre alargar ou limitar o horizonte de uma criança.

Superar ou minimizar os efeitos das fronteiras psicológicas nas crianças é um desafio coletivo. Famílias, escolas e comunidades devem dedicar-se à criação de ambientes seguros, empáticos e estimulantes, onde as crianças possam crescer sem medo de julgamento. Práticas educativas baseadas na escuta ativa, na validação das emoções e na promoção da autonomia demonstraram-se eficazes na formação de pessoas emocionalmente equilibradas (UNICEF, 2017).

Além disso, programas psicoeducacionais e intervenções terapêuticas promovidos por organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018) e a UNICEF (2017), têm-se mostrado eficazes na prevenção de traumas e no fortalecimento emocional de crianças que enfrentam, regularmente, adversidades. Projetos escolares que valorizam a inteligência emocional, o autoconhecimento e o respeito pela diversidade são exemplos concretos de como é possível transformar a educação num instrumento de inclusão e liberdade.

Em síntese, as fronteiras psicológicas são limites invisíveis, mas profundamente significativas na vida das crianças. Superá-las exige reconhecimento, escuta e dedicação. Num mundo que tantas vezes ignora a complexidade emocional infantil, dedicar-se à compreensão e ao cuidado das crianças é uma estratégia essencial para a construção de uma sociedade mais justa e emocionalmente saudável.

Center on the Developing Child. (2016). “From Best Practices to Breakthrough Impacts: A Science-Based Approach to Building a More Promising Future for Young Children and Families”. Harvard University. https://developingchild.harvard.edu/
Ferreira, C., Silva, M., & Santos, P. (2020). “Controlo parental e desenvolvimento emocional em crianças do ensino básico: Estudo longitudinal”. Universidade do Porto.
Organização Mundial da Saúde. (2018). “Nurturing care for early childhood development: A framework for helping children survive and thrive to transform health and human potential”. World Health Organization. https://www.who.int/
Sroufe, L. A., Egeland, B., Carlson, E. A., & Collins, W. A. (2005). “The Development of the Person: The Minnesota Study of Risk and Adaptation from Birth to Adulthood”. The Guilford Press.
UNICEF. (2017). “Early moments matter for every child”. United Nations Children's Fund. https://www.unicef.org/
Mesa Redonda
Missão onlife:
Cultura
Sociedade
Casa Comum
Missão
bottom of page