Ganhar nova forma
A esperança está em sermos uns para os outros, únicos! Criadores frágeis e ao mesmo tempo como um barro que se desmorona, mas que pode ganhar nova forma.
João Pedro Chantre
07 de dezembro de 2021
Recebi, por estes dias, a notícia do nascimento do segundo filho dos meus amigos, Susana e Fábio. Na partilha desta boa nova, ao mundo dos amigos, escreveram:
- “Bom dia. É com o coração a transbordar de amor e felicidade que anunciamos a chegada do Vasco aos nossos bracinhos.”
Em resposta disse-lhes que este nascimento, o do Vasco, é um enorme sinal de esperança. E nesta troca de mensagens acabámos por reconhecer as saudades que temos do sinal de esperança de que somos uns para os outros.
Uns dias antes tinha ouvido, de passagem, uma conversa de alguém que entregava uma encomenda e enquanto aguardava a assinatura dos comprovativos, perguntava em tom de provocação:
“- Diz aqui que ele é doutor, mas ele dá consultas?
É por estas e por outras que este país não vai para a frente. É muito doutor a dar ordens...
Mas, dizem que daqui a 50 anos isto muda!”
Reconheço as semelhanças destes desabafos com a celebre “Conversa da treta” do António Feio e do José Pedro Gomes. É um retrato que permanece e agora sou eu que não sei se isto muda daqui a 50 anos. Afirmar a esperança, reconhecer e estar prontos a dar as razões da nossa esperança e faz-nos sentir parte dela na transformação das comunidades que integramos.
A este propósito lembrei-me do discurso do Cardeal Tolentino Mendonça no dia de Portugal, em 2020:
”O Dia de Portugal, e este Dia de Portugal de 2020 em concreto, oferece-nos a oportunidade de nos perguntarmos o que significa amar um país.”
A frase fica a ecoar como um refrão: “o que significa amar um país”.
Numa conversa posterior de Tolentino Mendonça com o escritor Onésimo Teotónio Almeida a questão, mais funda, é colocada: “Como se ama dez milhões de portugueses?”
É possível amar, assim, o vago e a vastidão?
Na resposta, Tolentino Mendonça refere um episódio ocorrido entre Simone de Beauvoir e Simone Weil, em que esta chora por causa de uma grande fome que assolava a China, na altura.
Tenho presente, por exemplo, para a realidade portuguesa de finais dos anos 1990, o que foi o sofrimento do povo de Timor Leste. De ter testemunhado tantas pessoas, a esta distância, chorar pelo povo que lutava pela sua liberdade, pela sua independência.
Mais adiante no referido discurso do 10 de Junho:
“Podemos amar pela força ou amar pela fragilidade. Mas, explica Simone Weil, quando é o reconhecimento da fragilidade a inflamar o nosso amor, a chama deste é muito mais pura.”
“O amor a um país, ao nosso país, pede-nos que coloquemos em prática a compaixão – no seu sentido mais nobre - e que essa seja vivida como exercício efetivo da fraternidade. Compaixão e fraternidade não são flores ocasionais. Compaixão e fraternidade são permanentes e necessárias raízes de que nos orgulhamos, não só em relação à história passada de Portugal, mas também àquela hodierna, que o nosso presente escreve. E é nesse chão que precisamos, como comunidade nacional, de fincar ainda novas raízes.”
No recente concerto de Jorge Palma: “70 voltas ao sol”, surpreendeu-me no alinhamento o tema “Portugal, Portugal”, “Tiveste gente de muita coragem; E acreditaste na tua mensagem.”
Ao reouvi-lo, fi-lo com um sentido novo, de quem não desistiu, de quem continua a lutar, de quem acredita nos seus iguais.
Aos meus amigos, Susana e Fábio, escrevo: Bem-vindo sejas, Vasco! Que enorme alegria, que sinal enorme de esperança, de advento, de um mundo melhor.
A Susana, o Fábio, o Jorge, a Cristina, o Tomás e o Vicente, e tantos outros, são sinais de esperança, neste tempo de advento de 2021.
A esperança está em sermos uns para os outros, únicos! Criadores frágeis e ao mesmo tempo como um barro que se desmorona, mas que pode ganhar nova forma.