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Esta partilha podia chamar-se: o tigre, o tempo e o dragão

Para os cristãos, começou por este dias o tempo da Quaresma, marcado pela festa das colheitas que se celebra na primeira lua cheia, depois do equinócio da primavera. Aqui nos encontramos, nesta mesma terra que queremos que dê frutos. Certos, no entanto, de que para colhermos paz teremos de semear atitudes novas.

Esta partilha podia chamar-se: o tigre, o tempo e o dragão
João Pedro Chantre
09 de março de 2022

Sobre o tempo, o melhor que sei dizer é citar a frase da sabedoria de Stº Agostinho: “O que é o tempo? Quando quero explicá-lo não encontro uma explicação. Se o passado é o que do presente retenho e o futuro é o que do presente antecipo, então, não seria mais certo dizer que o tempo é só o presente? Mas quanto dura o presente?”
Nem sempre sabemos explicar com que linhas se define o tempo nosso de cada dia e o outro do universo, também nosso. O que nos marca, o que fica para a memória, que luz regista um momento para o futuro?
Atravessámos(?) dias de tempos estranhos. Se nos pedissem a escolha da cor que nos ficou nos sentidos, certamente, que o cinza seria unânime. Os tempos mudaram, repetimos em refrão. E parece-me que ainda não encontramos a nova ordem do tempo.
Ouvi, em tempos, a uma professora de economia, dizer que mantemos a organização do tempo da era da revolução industrial. Vivemos entre o tempo civil, laico, marcado pelo relógio, organizado, matematicamente e orientado para os negócios industriais, e o tempo religioso pontuado pelo tocar dos sinos, pela oração, pela calma e contemplação (vejamos as igrejas, mosteiros e catedrais, repletas de detalhes artísticos, construídos em épocas em que a contabilização do tempo seria impensável, pelo menos, nos parâmetros dos dias de hoje).

O sagrado e o profano misturam-se nas nossas culturas, em momentos sem cronologia. Os ritos mais antigos dos caretos, Entrudo de Lazarim e o enterro do Pai Velho, coexistem com corsos de foliões do tempo industrial (este tempo em que vivemos). No entanto, o tempo entre o solstício de inverno e o aproximar do equinócio da primavera, foi preenchido por máquinas, energia elétrica e o relógio, essa outra máquina transformadora. Será este o século de um novo tempo qualitativo e quantitativo?

Com as pausas impostas pelos confinamentos, parece que o tempo se tornou, ainda mais, numa massa disforme e incolor. Recordo-me de no ano passado, por esta altura, perguntar à minha irmã qual era o disfarce de Carnaval do meu sobrinho e a resposta foi surpreendente: “não lhe fales nisso, porque este ano não há Carnaval. As crianças têm aulas, não há pausa letiva!”
É nesta amálgama que o tempo, já bastante marcado por expressões como “tempo é dinheiro”, “o tempo é precioso” e “é preciso ganhar tempo”, se foi acentuando.
E o tempo para a pausa, para a ponderação, para festejar, para a celebração, o tempo para aquilo que não é útil? Como que desaparece, perde-se da vista e, com ele, aquilo que dá sentido aos dias.

A globalização trouxe a proximidade teórica e prática de recebermos um postal digital de uma pessoa amiga que nos diz do outro lado do mundo: “Queridos amigos. Hoje começa o Ano Novo Chinês do Tigre! Por aqui, fizemos dumplings, vimos o fogo de artifício e decoramos a casa. E hoje de manhã fomos surpreendidos com o deus do dinheiro e os leões a percorrer todos os prédios aqui do bairro para trazer riqueza, prosperidade e muita sorte para o novo ano.” (1 fevereiro 2022)

O Tigre, os leões e o dragão, certamente, hão de conviver num tempo imaginário. Mas o poder do dragão lembra, ente outras facetas, o mau génio e a força. E que a perda de sentido da fraternidade nos penalizará a todos.
O tom cinza sobre os dias volta a manifestar-se pela mão de homens que escolhem o pior dos lados: o da força e do poder. Diante de uma encruzilhada, de um conflito, as escolhas podem ser entre o poder e a fraternidade. Sempre que não se escolhe a via da fraternidade, mas a do poder, todos perdemos (até aqueles, poucos, que pensam que ganharam).

Para os cristãos, começou por este dias o tempo da Quaresma, marcado pela festa das colheitas que se celebra na primeira lua cheia, depois do equinócio da primavera. Aqui nos encontramos, nesta mesma terra que queremos que dê frutos. Certos, no entanto, de que para colhermos paz teremos de semear atitudes novas.

Podemos escolher o melhor de cada tempo, e neste tempo da Quaresma: a solidariedade, a atenção ao outro, a disponibilidade para acolher, escutar; criar espaço, em nós, para o outro.

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