Emigrantes: viver fora da caixa
Nutro pelos migrantes um grande respeito, talvez por conhecer os seus dramas e alegrias de um modo particular, mas sobretudo, porque têm uma capacidade de se reinventar que não cabe em palavras. (1)
Carlos Barros
10 de julho de 2024
Emigrar e imigrar significam em muito a rotura com muitos dos costumes, modos de vida, identidade coletiva e, até, a língua que se ouviu falar desde que se nasceu. Significa ainda aceitar que há um passado, um presente e um futuro que serão marcadamente diferentes do ciclo a que se estava habituado.
Quando migramos num projeto de vida, a médio ou longo prazo, construímos família, círculos de amigos, círculos sociais que, muitas vezes, não são compatíveis com os que existiam até então. O drama começa quando questionamos: como se conjugam um passado e um presente que nem sequer existem na mesma língua? Assim, muitas vezes, a casa é onde se está. Com anotações daquilo de que gostamos do passado, das recordações que nos fazem sorrir, mas em todo o caso, trata-se de uma realidade diferente.
A diferença pode ser positiva ou negativa, ou até ambas. Se virmos o lado positivo, consideramos certamente o expandir de uma rede de conhecimentos perante o mundo que nos dá asas para compreender um pouco melhor a complexidade fascinante em que nos inserimos; pelo negativo, é motivo para não querermos sair do nosso canto, pelo medo do exterior que nos faz sentir pequeninos, tal é a complexidade e exigência da nova realidade.
Nutro pelos migrantes um grande respeito, talvez por conhecer os seus dramas e alegrias de um modo particular, mas sobretudo, porque têm uma capacidade de se reinventar que não cabe em palavras. Há situações em que se é pai/mãe/filho à distância e o ponto de ligação é um telefone, ou o Skype e umas viagens pontuais para celebrar os momentos mais particulares; nesses momentos, matam-se as saudades, mas também se matam as ilusões de que as pessoas estariam no mesmo e preciso ponto em que se encontravam aquando da última visita. Penso que ninguém espera que tudo permaneça igual, mas quando a mudança é gradual é mais simples; então, há momentos em que sentimos que até os assuntos de “fazer sala” já não são tão coincidentes e, novamente, entra a parte da reinvenção. Efetivamente ser migrante significa adquirir uma carga enorme de criatividade.
Por fim: muitas pessoas que saem de Portugal em busca de melhores condições que as que o País lhes oferece, geralmente, integram-se na cultura do país que os acolhe. Passados uns anos, muitos voltam. Voltam eles e a pessoa que construíram em si mesmos, no tempo em que foram obrigados a crescer num mapa diferente. Muitos acusam-nos de abandono do local que os viu nascer e, de forma mesquinha, ainda gozam com os sotaques e modos que adquiriram lá fora.
Estou certo de que jamais poderemos acusar algum emigrante de abandono do país quando, na verdade, o país é que há muito os abandonou à sua sorte. Muito menos, poderemos tornar estas pessoas alvo de sátira quanto à maneira de falar, de vestir ou, simplesmente de estar; estão a ser quem são segundo as experiências de vida que absorveram e que, por curiosidade, até são vidas bastante mais fascinantes e ricas do ponto de vista daquilo que viram e em que participaram.
No fundo, pensaram e viveram fora da caixa.