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Eletricgate: no fim reproduzimos os mesmos erros

A transição ecológica é sobretudo uma transição económica, alavancada pela indústria. No entanto, a história ajuda-nos a perceber que todas as mudanças proporcionadas por este setor tem como único objetivo servir o negócio que o sustenta.

Eletricgate: no fim reproduzimos os mesmos erros
Ricardo Cunha
06 de outubro de 2021

Atravessamos uma época de transição energética. A era do domínio do petróleo está no seu crepúsculo e começa uma nova era, a das energias verdes, dominada pelos painéis solares e turbinas eólicas. Atualmente as energias verdes representam 7% do total de energia produzida e prevê-se que em 2050 se atinja a meta dos 50%. Até aqui parece-nos tudo muito bem perante os desafios ambientais que enfrentamos. Depois do escândalo Dieselgate que envolveu a Volkswagen e a emissão de gases em 2015, o carro elétrico tornou-se um símbolo de diminuição da emissão de CO2 para a atmosfera e a indústria automóvel apostou de forma indelével nesta nova fonte energética. Mas será esta solução apenas uma ilusão? E se as consequências das energias verdes forem piores que os males dos combustíveis fósseis?

A transição ecológica é sobretudo uma transição económica, alavancada pela indústria. No entanto, a história ajuda-nos a perceber que todas as mudanças proporcionadas por este setor tem como único objetivo servir o negócio que o sustenta. O carro elétrico está na moda e tornou-se um objeto de consumo desejado. Com a sua aquisição, o consumidor aplaca o seu sentimento de culpa pela poluição ambiental que provoca e, simultaneamente, transmite até uma determinada imagem social eco sustentável. Por outro lado, a indústria automóvel tem a oportunidade de reinventar e criar novas oportunidades de mercado, mais atrativas e carregadas de novidades tecnológicas, até então mais difíceis.

Há, no entanto, um lado negro na indústria do automóvel elétrico. Há matérias-primas que vieram substituir outras, pelo que o recurso a metais raros e, por isso, menos abundantes na crosta terrestre, integrou o quotidiano do fabrico automóvel. Falamos de elementos como o cério para filtrar raios UV do para-brisas ou o európio e o térbio que nos permitem ter a cor vermelha ou azul nos ecrãs dos carros ou ainda o neodímio usado no fabrico de magnetos, indispensável no carro elétrico e turbinas eólicas, uma vez que permite transformar a energia elétrica em energia mecânica, criando assim movimento. Podemos ainda citar os metais raros existentes nas baterias elétricas, como o cobalto, a grafite e o mais conhecido lítio.

Neste mundo verde estamos em vias de criar uma nova dependência, também ela limitada. Em breve será impossível viver sem o recurso a estes metais raros, pelo que se prevê que a sua exploração cresça exponencialmente. Esta exploração é feita longe das cidades e dos nossos olhos. Apesar de se verificar que há distribuição destes metais pelo mundo, há um país, em especial, que detém enormes reservas dos mesmos, a China. Para garantir o futuro verde do mundo, e a título de exemplo, os trabalhadores da China exploram grandes áreas verdes para extrair a grafite, quase sem proteção individual, com baixos salários, destruindo recursos naturais e com o custo acrescido de emissão de elevados níveis de poluição atmosférica.

A ideia de que o futuro verde está assegurado pela transição energética cai por terra. As consequências ambientais do recurso a estes metais tão escassos, aliadas à inexistente regulamentação de gestão dos novos resíduos provocados pelas energias verdes, trazem novos problemas ambientais, antes desconhecidos.

Perante este novo falhanço energético eminente e o galopar dos problemas ambientais, que caminhos se apontam?

Nesta matéria, o Papa Francisco aponta alguns caminhos na Encíclica Laudato Si' - sobre o cuidado da casa comum. A única solução que se perfila é uma vida mais sóbria, com menos recursos. Esta forma de viver implica uma mudança no paradigma consumista das sociedades hodiernas. Viver com menos conforto, menos comodidades, cingirmo-nos ao que é essencial e assim sermos felizes. Um padrão de vida consumista e assente exclusivamente no crescimento económico é a constatação da afirmação de Francisco de que "esta economia mata!". E mata não apenas porque não vivemos sobre o prisma de uma sobriedade feliz que permite uma vida mais sustentável nesta casa comum, mas porque simultaneamente esta transição energética não inclui a todos. Continuam a ser os países economicamente em desenvolvimento, que não tendo como se defender, sustentam os caprichos e vontades dos países desenvolvidos e amainam as consciências ecológicas dos maiores consumidores de recursos do planeta. Mais uma vez, o progresso científico e tecnológico não equivale ao progresso humano e histórico, mas a mais uma situação de egoísmo e autodestruição. Como afirma Bento XVI na Encíclica Caritas in Veritate “é contrário ao verdadeiro desenvolvimento considerar a natureza mais importante do que a própria pessoa humana”, pelo que pensar a ecologia, neste caso integral, implica considerar a pessoa e o mundo natural.

Como interpelação, pense o leitor como em simples gestos quotidianos se pode construir uma ecologia do cuidado. Não serão necessárias cruzadas gloriosas, mas simplesmente uma conversão do que é usual, integrando-o numa mundividência com sentido e que faça a diferença para o Bem Comum.

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