A vida suspensa de quem tem de sair do país para sobreviver
Tal como a guerra, a falta de resposta para prestar os cuidados de saúde nos PALOP fazem com que as pessoas deixem tudo para trás e fiquem com as suas vidas suspensas.
Maisa Bastos
20 de julho de 2022
Se não reagir e sair, poderá ser o fim. Com a reconquista do poder dos talibãs no Afeganistão, desde meados de 2020, temos acompanhado através dos diversos meios de comunicação, a deslocação de pessoas para fora dos seus territórios à procura de sobrevivência originada pela guerra. Com a crise humanitária originada pela invasão Russa à Ucrânia, Portugal tem vindo a acolher alguns cidadãos que procuram a proteção internacional, designados por refugiados.
Enquanto acompanhava as notícias sobre as diversas movimentações e saídas de pessoas do território ucraniano, veio-me a memória a história da minha mãe, bem como outras pessoas doentes oriundas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) que foram evacuadas para beneficiarem de assistência médica e que também procuram um futuro de esperança.
Estes cidadãos por sofrerem de algum problema de saúde e por não existirem meios técnicos nos seus países, tiveram de abandonar os seus territórios a procura de tratamentos ou de sobrevivência. É verdade, não saíram pela guerra, perseguição devido à sua opinião política, raça, grupo social ou religião, mas saíram porque necessitaram de tratamentos ou respostas para o problema de saúde do próprio ou do seu descendente menor.
Mas o que existe de comum entre estas duas fatalidades? A fuga da guerra ou a procura de cura fizeram com que estas pessoas deixassem os seus países de origem, com múltiplas consequências negativas para o foro psicológico. E por isso, têm uma base comum, deixaram tudo para trás para poderem sobreviver e encontrar um futuro de esperança.
Muito ouvimos sobre o acolhimento de refugiados em Portugal, tendo como referência as chegadas a partir de 2015, originado pelos conflitos no Médio Oriente e Norte de África. No entanto, na sequência da guerra civil espanhola, os primeiros refugiados chegaram ao território português em julho de 1936. Com a invasão das forças nazis à França e à Bélgica em 1940, Portugal voltou a acolher refugiados daqueles territórios. Após estas chegadas, Portugal passou a acolher pessoas que pediam a proteção internacional, e entre 2015 e 2020, ao abrigo de vários programas internacionais, Portugal acolheu cerca de 2.800 pessoas refugiadas.
Segundo Oliveira, C. R. (2021), Indicadores de Integração de Imigrantes, entre 2015 e 2020, foram atribuídos 11.194 vistos de estada temporária para tratamento médico em Portugal, e 3.765 vistos para acompanhamento de familiar sujeito a tratamento médico. Os acordos de cooperação internacional entre Portugal e os PALOP no âmbito da saúde, para a assistência médica de doentes evacuados, começaram a ser celebrados nos finais da década de 70. Os primeiros acordos foram celebrados em 1977 com Cabo Verde e com São Tomé e Príncipe. Com Angola e Moçambique em 1984 e com Guiné-Bissau em 1992.
Voltemos à pessoa, por exemplo a minha mãe, que foi evacuada do seu país por motivos de saúde. Uma mulher, casada, mãe com 3 filhos menores, trabalhadora, e de repente é internada num hospital no seu país que pertence aos PALOP. O seu estado de saúde agravava-se com o passar dos dias e em nenhuma unidade hospitalar possui meios técnicos para trata-la. É necessário e urgente evacua-la para um hospital público português no âmbito do acordo de cooperação.
Internada do outro lado do atlântico, após diagnosticado o seu problema de saúde, o médico informa-lhe que não poderá regressar mais ao seu país de origem devido a dificuldade em obter tratamento médico e a falta de meios técnicos naquele território.
Não é fácil deixar tudo para trás. Principalmente quando no lugar de chegada muitas destas pessoas não têm redes familiares ou enfrentem o problema da barreira de comunicação como acontecem com alguns doentes oriundos dos PALOP. Acrescem a isto as dificuldades económicas e de integração de muitas delas.
A palavra sobrevivência, por si, é uma ação e o efeito de sobreviver de um determinado acontecimento. E por isso, quando assistimos as pessoas a deixarem as suas casas e as suas famílias por se sentirem inseguras pela guerra ou na incerteza do seu estado de saúde, não ficamos indiferentes com estas vidas que ficaram suspensas.
Estas pessoas foram obrigadas a saírem do seu espaço. Homens, mulheres e crianças cujas as vidas foram definitivamente alteradas a procura de sobrevivência, segurança e um futuro mais promissor. Mas se não reagissem e abandonassem os seus territórios poderia ter sido o fim.