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A Política, os Cristãos e o Natal

Nesta altura do ano, o espaço público está cheio de símbolos festivos, mas despido dos verdadeiros símbolos do Natal.

A Política, os Cristãos e o Natal
Carla Rodrigues
04 de dezembro de 2024

Com frequência somos surpreendidos por cenas pouco edificantes, protagonizadas por políticos no Parlamento, nas ruas, nas televisões, cenas praticadas em público e outras em privado que acabam por ser expostas publicamente. Por vezes são apenas cenas tristes, mas outras são cenas verdadeiramente graves que configuram a prática de crimes.

Estas situações degradam a boa imagem dos políticos e vêm reforçar a tentação do nojo fácil pela política. Diz-se que a política é suja, corrompe, vive da mentira e da manipulação, é terreno fértil para corruptos e mentirosos.

Se um político mente, todos mentem. Se um político cometeu um crime, são todos criminosos. Mesmo que a esmagadora maioria sejam pessoas sérias e bem-intencionadas, ser político tem uma conotação pública negativa. Com esta perceção pública e estas generalizações, quem estará disponível para servir a causa pública?

“Eu cá não me meto na política, são todos iguais, não quero nada com essa gente” ouvimos dizer tantas vezes. Há quem entenda que os cristãos são ou devem ser tão puros que não devem sujar-se neste mundo da política.

Mas se tantos católicos pensam assim, impera colocar aqui as questões que colocou Francisco Lucas Pires num texto que escreveu intitulado “Pureza de coração e vida política”: “a missão da Igreja é a construção de uma sociedade nova ou, apenas, a “denúncia” dos “pecados” da sociedade existente? É possível confinar a fé religiosa ao momento e lugar do sagrado, enquanto todas as restantes formas de vida se podem desenvolver segundo uma análise em que a fé não entra? É possível ignorar os valores cristãos na vida pública, sem com isso operar uma ruptura com as próprias raízes históricas, culturais ou religiosas da sociedade portuguesa? É possível superar a crise contemporânea e nacional, mantendo este dualismo entre a vida interior dos homens e a vida pública das comunidades? Será possível que S. Tomás reine para dentro de uma porta e Machiavelli no meio da praça pública onde essa porta desemboca?”

Estas questões, mais que interpelações são uma exortação. A missão da Igreja é de facto a construção de uma sociedade nova e a missão de cada cristão é ser obreiro dessa construção.

Aliás, o Concílio Vaticano II exorta os fiéis “a cumprirem fielmente os seus deveres temporais, deixando-se conduzir pelo espírito do evangelho. Afastam-se da verdade aqueles que, pretextando que não temos aqui cidade permanente, pois demandamos a futura, creem poder, por isso mesmo, descurar as suas tarefas temporais, sem se darem conta de que a própria fé, de acordo com a vocação de cada um, os obriga a um mais perfeito cumprimento delas”.

Também o saudoso Papa João Paulo II dizia na sua Exortação Apostólica Christifideles laici “os fiéis leigos não podem de maneira nenhuma abdicar de participar na ‘política’, ou seja, na multíplice e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover de forma orgânica e institucional o bem comum”.

A Congregação para a Doutrina da Fé numa nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política emitida em 2002, refere que “Todos podem, de facto, contribuir através do voto na eleição dos legisladores e dos governantes e, também de outras formas na definição das orientações políticas e das opções legislativas que, no seu entender, melhor promovam o bem comum”.

O Papa Bento XVI disse: “Cabe, por isso, aos leigos cristãos o compromisso político, e a necessária participação de modo sempre coerente com os ensinamentos da Igreja”.

Mas o Papa Francisco foi mais longe, afirmando: “A política é a forma mais alta, maior, da caridade. O amor é político, isto é, social, para todos” e “Envolver-se na política é uma obrigação para o cristão. Nós cristãos não podemos fazer de Pilatos e lavar as mãos, não podemos!”

É verdade que a política é suja e convive com a mentira, mas precisamente por isso é tão necessário que os cristãos participem nela: para influenciarem o espaço público e para levarem para esse espaço os seus valores, a sua ética cristã.

Mas é também verdade que a política é o palco por excelência do serviço aos outros e da prossecução do bem comum. É este o seu fim último: alcançar o bem universal que compreende a promoção e defesa da paz, da liberdade, da igualdade, do bem-estar, do respeito pela vida humana, da justiça, da solidariedade.

São Tomás Moro, proclamado Padroeiro dos Governantes e dos Políticos, soube testemunhar até ao martírio a “dignidade inalienável da consciência”. Embora sujeito a diversas formas de pressão psicológica, negou-se a qualquer compromisso e, sem abandonar “a constante fidelidade à autoridade e às legítimas instituições” em que se distinguiu, afirmou com a sua vida e com a sua morte que “o homem não pode separar-se de Deus nem a política da moral”.

E o Natal?
O Natal é um pequeníssimo exemplo da falta que fazem mais cristãos na política.

O Estado é laico, mas não perde uma oportunidade para usar os feriados religiosos para a dinamização cultural ou comercial. E nesta altura vemos, em todas as cidades, a chegada do pai natal, a inauguração da iluminação ou da maior árvore de natal, vemos elfos, renas, gnomos e há música e festa. Tudo isso é bom e é bonito. Mas parece que nos esquecemos do que realmente celebramos no Natal: o nascimento de Jesus.
Nesta altura do ano, o espaço público está cheio de símbolos festivos, mas despido dos verdadeiros símbolos do Natal.

É este o desígnio do cristão: usar o lado mais obscuro da política para apurar a pureza de coração e usar o lado mais luminoso da política para servir o bem comum e construir uma sociedade nova inspirada nos valores do Evangelho.

Um Santo Natal!

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