A Manipulação da Verdade na Era das Fake News: O Papel dos Media na Construção da Realidade
Apenas por meio da formação em media, formentando a literacia mediática dos cidadãos desde muito jovens, da transparência algorítmica e do reforço da ética jornalística, conseguiremos lidar com os obstáculos da desinformação e manter os princípios democráticos que embasam uma sociedade bem informada.


Schelcia Batalha
16 de julho de 2025
Com a aparição e o crescimento das plataformas de comunicação, nesta chamada era digital, foi notável um avanço significativo no acesso à informação e a informações; porém, isso também abriu portas para a proliferação de narrativas manipuladoras e falsas. Como observado por José Gil em “Como convém televiver”¹, os média exercem um papel essencial na formação da nossa compreensão da realidade. Este ensaio analisa como a manipulação da verdade atua na era das fake news e as consequências dessa dinâmica na sociedade contemporânea.
A Construção da Realidade Pelos Media
Segundo o autor José Gil, vivemos num mundo "regime de visibilidade", em que o que não é exibido pelos meios de comunicação dá a impressão de não existir. Essa ideia destaca o poder dos media para definir os limites do que é reconhecido como realidade. Marshall McLuhan intensifica essa ideia ao declarar que "o meio é a mensagem"², assim sugerindo que a maneira de transmissão de informação tem, sim, um impacto, da mesma forma que o próprio conteúdo.
Na era das fake news, ou desinformação, essa capacidade de distinção passa a ser ainda mais desafiadora e problemática. Informações alteradas obtêm destaque e geram realidades alternativas, muitas vezes modeladas por interesses económicos e/ou políticos. Por exemplo, a divulgação mediática das eleições americanas de 2016 revelou como notícias falsas sensacionalistas impactaram na visão do eleitorado, resultando em decisões baseadas em informações distorcidas⁴. Depois disso, já assistimos a outras situações e ao aumento da desinformação online.
Uma investigação do Reuters Institute (2023) indicou que 69% das pessoas creem que os media têm um impacto de forma direta na sua visão da realidade³. Isso prova como os meios de comunicação, ao definir o que precisa ou não de ser mostrado, modela a compreensão coletiva, e frequentemente sem que o público perceba. Por isso, é tão importante treinar o pensamento crítico desde a infância.
O Impacto das Fake News na Sociedade
As fake news indicam um perigo direto face ao objetivo convencional dos media como mediadoraes da verdade e da realidade. Pesquisas indicam que notícias falsas têm 70% mais possibilidades de serem compartilhadas nas redes sociais do que informações verificadas⁵. Essa situação é intensificada pela lógica das plataformas digitais, que valorizam o engajamento acima do rigor e detalhe.
Houve casos simbólicos que expuseram esse impacto: durante a pandemia de COVID-19, a divulgação de notícias falsas sobre tratamentos ineficazes levou a decisões totalmente prejudiciais à saúde pública⁷. Da mesma maneira, rumores sobre fraudes em urnas eletrónicas nas eleições brasileiras alteraram e impactaram a confiança nas instituições democráticas⁶.
Conforme José Gil antecipou, esse cenário indica um modo de televivência “desenfreada” (adjetivo meu), em que o consumo acrítico de informações torna mais fraco o debate público e fortalece a polarização social.
Estratégias para Resistir à Manipulação
Frente a este cenário, é necessário implementar táticas para enfrentar a influência e manipulação da verdade e restaurar o papel crítico da mídia:
1. Educação Mediática: Incentivar programas como o projeto da UNESCO “Media and Information Literacy (MIL)”⁸, que habilita cidadãos a reconhecer e questionar fontes de informação. Esse método ajuda a revelar os mecanismos de exclusão e escolha operados pelos media.
2. Transparência Algorítmica: As plataformas digitais devem ser culpadas e responsabilizadas pela divulgação de fake news. Iniciativas como a verificação de factos implementada pelo Facebook e a exigência de transparência pela União Europeia na Lei de Serviços Digitais (DSA)⁹ são passos na direção certa.
3. Fortalecimento da Ética Jornalística: A autenticidade dos meios de comunicação depende de um engajamento atualizado com a verdade e a imparcialidade. Agências de checagem, como a Reuters Fact Check³, a brasileira Agência Lupa⁷ ou o português Polígrafo, demostraram a importância de verificar informações para combater a manipulação.
Conclusão
Na era das notícias falsas, a manipulação da verdade vai além da mídia, alcançando o centro das interações sociais e políticas. A avaliação de José Gil nos instiga a analisar não somente o que é perceptível, mas também o que é obscurecido e tapado pelo “nevoeiro”, promovendo uma reflexão crucial para resistir aos métodos de manipulação. Neste contexto, a função dos media deve transcender a simples disseminação de informações: é preciso estabelecer ambientes para a discussão crítica e a formação de uma realidade mais equitativa. Apenas por meio da formação em media, fomentando a literacia mediática dos cidadãos desde muito jovens, da transparência algorítmica e do reforço da ética jornalística, conseguiremos lidar com os obstáculos da desinformação e manter os princípios democráticos que embasam uma sociedade bem informada.



