A liberdade interior não é um estado permanente, mas uma construção diária
Muitas vezes ouvimos dizer que somos livres, que vivemos numa sociedade em que podemos ser quem quisermos e fazer as nossas próprias escolhas. Mas será mesmo assim na prática?


Braolida Nanque
23 de julho de 2025
Muitas vezes ouvimos dizer que somos livres, que vivemos numa sociedade em que podemos ser quem quisermos e fazer as nossas próprias escolhas. Mas será mesmo assim na prática? Quando penso na minha vida, nas decisões que tomo, percebo que muitas vezes estou presa a medos, dúvidas, expectativas e até ao que os outros vão pensar. A liberdade parece estar mais dentro da nossa cabeça do que fora. Por isso, neste ensaio, quero refletir sobre o que significa ser realmente livre — e se essa liberdade existe, de facto, dentro de mim.
À primeira vista, parece que temos liberdade para escolher o que queremos: o curso, as amizades, o futuro. No entanto, muitas das nossas decisões são condicionadas por medos ou pela pressão social. Lembro-me de já ter deixado de fazer algo que queria por receio do julgamento dos outros. E, quando penso nisso, percebo que essa “prisão” não tem grades visíveis, mas é real. A sociedade cria normas silenciosas sobre o que é “aceitável”, e muitas vezes, sem nos darmos conta, deixamo-nos moldar por elas.
Mesmo quando não há pressões externas evidentes, muitas vezes é dentro de mim que nasce o bloqueio. Há decisões em que sei exatamente o que quero, mas hesito. Surge a dúvida: “E se não for o suficiente? E se não der certo?” Essa luta entre o desejo e o medo é constante. O mais curioso é que ninguém me está a impedir diretamente — sou eu a limitar-me. Isso mostra que a verdadeira falta de liberdade nem sempre vem de fora. Muitas vezes, somos prisioneiros dos nossos próprios pensamentos, inseguranças e expectativas. Por isso ouso dizer que a liberdade não depende só das condições exteriores, mas também da nossa capacidade de nos libertarmos dessas vozes internas que nos paralisam.
Mesmo sem correntes visíveis, há prisões que carregamos dentro de nós: a ansiedade, o medo de falhar, a constante comparação com os outros. Essas barreiras invisíveis, muitas vezes criadas por experiências e expectativas ao longo do tempo, são difíceis de ultrapassar. Elas condicionam a forma como vemos o mundo e a nós próprios, muitas vezes sem que nos apercebamos disso. Como podemos, então, ser realmente livres se estamos presos a estas vozes internas que nos paralisam?
Curiosamente, muitas dessas vozes parecem ter origem a partir da maneira como os pais se relacionam com os filhos. Na tentativa de proteger e educar, muitos pais, sem se aperceberem, acabam por criar limites que moldam, de forma invisível, a liberdade dos filhos. Por vezes, essas "prisões" surgem em forma de responsabilidades excessivas ou restrições sobre quando e como explorar o mundo fora de casa. A educação torna-se, então, um reflexo das normas e ansiedades de uma sociedade mais ampla. É como se, num esforço por preservar os filhos de perigos, fosse transmitido um medo silencioso de falhar ou de errar.
Muitos pais criam ambientes em que as expetativas são altas, e a pressão para corresponder a essas expectativas pode resultar em insegurança e ansiedade. A proteção exagerada, por outro lado, pode limitar a autonomia dos filhos, mantendo-os numa zona de conforto que, ao longo do tempo, pode parecer mais uma prisão do que um porto seguro. Estas influências familiares moldam profundamente as vozes internas que carregamos, muitas vezes eternizando medos e dúvidas que nos acompanham até a vida adulta. Libertar-nos dessas influências é talvez uma das etapas mais desafiantes na construção da verdadeira liberdade interior.
Apesar de todas as limitações internas e externas, acredito que existem momentos em que conseguimos ser verdadeiramente livres. São instantes em que agimos de acordo com o que realmente sentimos, sem medo nem hesitação. Lembro-me de situações em que escolhi algo difícil, mas que fazia sentido para mim — e mesmo com dúvidas, senti uma leveza e foi como se por um momento tivesse quebrado correntes invisíveis. Isso faz-me pensar que a liberdade pode não ser um estado permanente, mas uma construção diária. Cada vez que escolhemos com consciência, enfrentamos um medo ou deixamos de seguir cegamente o que esperam de nós, estamos a aproximar-nos dela. Talvez ser livre seja isso afinal: aprender a escutar a nossa própria voz no meio do tumulto.
Essa tensão entre querer ser livre e sentir-se preso também aparece na literatura. Em Dom Quixote, de Cervantes, o protagonista vive num mundo que já não acredita em ideais, mas ele insiste em seguir os seus sonhos, mesmo sendo visto como louco. A sua liberdade não está em mudar o mundo à sua volta, mas em manter-se fiel à sua visão, à sua verdade interior. Isso mostra como, por vezes, ser livre é escolher ser diferente, mesmo que isso implique não ser compreendido. É um lembrete de que a liberdade mais profunda talvez não esteja em fazer o que se quer, mas em ser quem se é — mesmo que isso nos afaste do que os outros esperam.
No meio dessas reflexões, surge uma pergunta fundamental: se a liberdade é uma construção diária, qual seria um pequeno gesto que todos podemos adotar para começar a quebrar essas “correntes invisíveis”? Reconheço que, no momento, não tenho uma resposta definitiva. Sinto-me presa nos meus próprios pensamentos, estagnada, e deixo de fazer coisas que antes adorava, como dançar, ler ou passear. Nada me prende fisicamente em casa, mas algo dentro de mim não me deixa avançar. Talvez o primeiro passo seja apenas reconhecer esse bloqueio interno e dar espaço para pequenos gestos de mudança, como voltar a ouvir a minha música favorita e dançar, nem que seja por alguns minutos. Talvez, aos poucos, estas ações nos ajudem a reacender aquilo que parecia perdido e a começar a reconstruir a nossa liberdade interior.
Essa luta entre o que nos prende e o que nos liberta parece ser universal. No fim de tudo, continuo a perguntar-me: somos realmente livres? Talvez não completamente. Há forças externas que nos moldam e, dentro de nós, existem medos, vozes e dúvidas que nos prendem. Mas acredito que a liberdade não é um estado absoluto — é uma construção. Está nos pequenos gestos de coragem, nas escolhas conscientes, nos momentos em que nos ouvimos de verdade. Não é fácil, e nem sempre conseguimos. Mas talvez a verdadeira liberdade comece quando deixamos de fugir de nós mesmos.