A caridadezinha não é solidariedade
Erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades e potenciar a empatia perante diferentes vulnerabilidades é de grande louvor num mundo tão desigual. O problema começa quando se confunde “caridadezinha” com solidariedade nas ações do dia-a-dia (1).
Carlos Barros
27 de novembro de 2024
Erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades e potenciar a empatia perante diferentes vulnerabilidades é de grande louvor num mundo tão desigual. O problema começa quando se confunde “caridadezinha” com solidariedade nas ações do dia-a-dia.
Sintetizando as palavras de vários investigadores/as no tema, a solidariedade pode ser definida como uma união de interesses, simpatias e objectivos entre membros de um ou vários grupos. Esta dinâmica previne a anomia individual, mantendo activa a cooperação de pessoas para pessoas/grupos para grupos e contribui em muito para a criação de bem-estar e redução de preconceitos. Um bom exemplo é a partilha de casa entre idosos que estão mais isolados e jovens estudantes que estão numa cidade diferente com dificuldade em encontrar alojamento. Dois grupos com diferentes desafios, mas que juntos conseguem sinergia para vencer obstáculos.
Os estudos na área da solidariedade são muitos e focam-se na interacção e cooperação do Estado, famílias, diferentes gerações, pessoas migrantes e até nos sectores terciários que tentam dar respostas sociais perante diversos desafios ao desenvolvimento.
Aqui, neste lugar de sinergia, todas as cooperações contam: a dinâmica pode ser mais ou menos estruturada, até com mais ou menos funções, pois cada pessoa interage de modo a criar pontes em vez de muros, por empatia de se querer entender o Outro, bem como as diferentes vulnerabilidades que dificultam o seu bem-estar.
Qual é o problema? Muito frequentemente vê-se uma grande confusão entre esta sinergia solidária e a caridadezinha: que, por norma, é desinvestida de real cooperação, mesquinha, bafienta e que alimenta o ego de quem a faz, colocando barreiras entre “eu-mecenas-bonzinho” e o “outro-vulnerável-desgraçado”.
Infelizmente, são muitos os exemplos que ilustram este fenómeno [...] Como ilustração, podemos refletir sobre organizações que procuram levar a ideia de construção de bem-comum através de iniciativas sociais, mas não potenciam os reais recursos/necessidades dos beneficiários, apenas os interesses das entidades.
Podem parecer ações aleatórias sem grandes consequências, afinal “tudo é suposta ajuda”, mas o que é importante reter da aprendizagem nestes processos?
A “caridadezinha” promove exclusão, segregação e percepção de obrigação de pertença numa falsa integração. Ou seja, os grupos com mais poder/visibilidade colocam o grupo vulnerável de lado, fingem que nada se passa, por vezes até os segregam num lugar físico-emocional distante e protegem-se com o “eu cá, tu lá”. A acrescer, as pessoas em grupos vulneráveis que tentam esbarrar estas duras barreiras entendem muitas vezes que têm de se adequar à cultura vigente e normativa – mesmo quando esta não considera a pobreza, os preconceitos, a desigualdade, as suas dificuldades e atirando-a para a invisibilidade.
A meu ver, a única solução é promover a inclusão. Isto implica que larguemos o nosso pedestal, quer enquanto seres individuais, quer enquanto órgãos institucionais privilegiados e acordemos para a equidade.
Através da naturalização das diferenças, com aceitação da diversidade, desenvolvimento de empatia (manter escuta activa e calçar os sapatos do Outro), vemos que afinal somos todos humanos. Com menos ou mais dificuldades financeiras, com menos ou mais (in)visibilidade, com menos ou mais preconceitos em intersecção, mas podemos participar na maravilha que é a sinergia solidária.
A diferença está apenas na consciencialização que os responsáveis sociais podem/devem ter antes de prestar suporte para um intercâmbio justo na solidariedade, verdadeiramente inclusivo.