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Dia Mundial da sanita*

17 de novembro de 2020, por INÊS ESPADA VIEIRA
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Bruno Cunha

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Suzana Ferreira

Sim, leu bem e pode sorrir à vontade. Também o descobri não há muito e ri para dentro. Há um Dia Mundial da Sanita. Só que o assunto é bem sério (ser sério não significa não poder rir) porque uma sanita não é apenas uma sanita.
 

O Dia Mundial da Sanita assinala-se a 19 de novembro e foi instaurado pelas Nações Unidas (ONU) em 2013. Os “dias mundiais de” ou os “dias internacionais de” são oportunidades de comunicação e de pedagogia (social e política) sobre um determinado problema, e constituem igualmente momentos de celebração dos passos dados pela humanidade para uma vida melhor e mais justa para todos. O Dia Mundial da Sanita é um momento-chave do programa das Nações Unidas sobre a água potável, um bem escasso e precioso, inalcançável ainda em muitos lugares do planeta, enquanto noutros se usa este recurso de forma inconsciente. Quando puxamos o autoclismo nas nossas casas, na casa de banho da escola ou do centro comercial, pensamos nisto? É evidente que não. Aliás, nem gostamos muito de pensar acerca de casas de banho, sanitas, autoclismos, papel higiénico, sabonetes ou lavatórios. Não pensamos nisto, mas deveríamos pensar.
 

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030 incluem no seu ponto 6 o objetivo de “garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos”. Os ODS não são só uma das siglas da moda (esta moda é boa e bonita) nos meios de comunicação, nas organizações e nalguma mobilização cívica mundial, são propostas concretas, uma meta visível, um mundo sonhado. Melhor, mais do que um mundo sonhado, devem ser um mundo programado, pensado, pelo qual se luta. Nem sempre é assim mas o nosso olhar de futuro tem de estar posto para lá do objetivo, para lá da meta. Uma provocação nesta linha: onde devemos colocar o nosso olhar quando olhamos para lá de uma sanita? Regressando aos ODS: o que é que a sanita tem a ver com um futuro melhor? O que é que as sanitas têm que ver com as alterações climáticas? De que forma as sanitas ajudam a proteger a nossa saúde? A estas e outras questões dá resposta a mobilização da ONU em torno do Dia Mundial da Sanita (pode saber mais https://www.worldtoiletday.info/).
 

O saneamento básico em Portugal foi uma das conquistas do 25 de Abril. Há dois meses houve uma (pseudo)polémica nas redes sociais devido à dúvida quanto à autenticidade de uma fotografia de Alfredo Cunha tirada na Amadora em 1974. A foto faz parte do livro A cidade que não existia (Tinta-da-China, 2020) e mostra incipientes barracas de madeira, sustentadas por periclitantes vigas também madeira, por cima de uma ribanceira insalubre. Na beira de uma espécie de plataforma, uma menina sozinha olha para baixo.
Como queríamos que esta cidade não tivesse existido! Como queríamos não saber de outras fotografias de outras reportagens ou trabalhos de investigação que nos falam desse país… Como desejaríamos esquecer que alguns de vós fostes aquela criança ou os irmãos daquela criança à beira do precipício, à beira de água deletéria, de esgotos a céu aberto.
Esse país de 1974 às vezes parece invisível, mas é autêntico. Ainda bem que é passado. 

 

Hoje, 4200 milhões de pessoas vivem nesses lugares invisíveis mas autênticos em que não têm direito à privacidade, à dignidade, à saúde, que uma sanita confere. E falamos do presente. 
Numa escala diferente, num contexto e num ritmo diversos, a transformação ocorrida no Portugal democrático é prova de que “as coisas não têm de ser sempre assim”. Hoje já não pensamos nisso: se a sanita funciona, não penso nos esgotos, se o autoclismo funciona, não penso na água, etc.

 

Porém, em muitos lugares do mundo, há pessoas que não podem sentar-se numa sanita, há meninas que juntam à vergonha cultural das suas menstruações, a marginalização e o medo por não terem acesso a uma casa de banho em condições próprias de saúde e intimidade. Mais: em lugares bem próximos, dentro da nossa querida e civilizada Europa, em campos de refugiados, há milhares de seres humanos (e de novo as mulheres ainda mais penalizadas com esta situação) que partilham com outros milhares uns míseros contentores de plástico verticais de cheiro e aspeto repugnantes a que um dia se chamou casa de banho, situação que leva a que muitas pessoas tenham de se deslocar ao mato em condições de segurança, privacidade e saúde deficientes. Viver num campo de refugiados na Grécia, por exemplo, como foi (e é) o campo de Moria, é experienciar o limite da dignidade humana, nomeadamente quanto a condições mínimas de terra, trabalho e teto de que nos fala o Papa Francisco.
 

É verdade, abrir estas páginas e ver o título deste artigo não é, digamos, o mais canónico para a revista Mensageiro de Santo António e nós não passamos o tempo a pensar em casas de banho, autoclismos, papel higiénico e lavatórios. Mas fica bem evidente que este é um tema crucial num contexto de justiça para todos, um objetivo fundamental para o desenvolvimento sustentável, para a proteção da saúde e da dignidade de cada ser humano, articulando-se com os maiores desafios atuais no que respeita à repartição de um recurso como a água potável e o tratamento dos dejetos humanos que, se não tratados, provocam doenças que levam à morte (estima-se que morram anualmente devido a diarreia 297 000 crianças com menos de cinco anos).
 

Assinalemos o Dia Mundial da Sanita, desejando que em breve todas as pessoas do mundo possam crescer e sonhar sem precisar de pensar… numa sanita.

 

Inês Espada Vieira

* Artigo publicado pela primeira vez na Revista Mensageiro de Santo António em novembro de 2020

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