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Teoria do absoluto

É tudo igual, não por uma osmose que uniformiza e anula, mas tudo igual numa mistura de aqui e de infinito, de presente e de eterno; a súmula perfeita (mas não necessariamente tranquila) de desejo e de certeza de Deus, deixada em verso por Ruy Belo: “somos seres olhados”.
Esta certeza é a nossa teoria do absoluto.

Teoria do absoluto
Inês Espada Vieira
01 de fevereiro de 2023

Albert Einstein (1879-1955) sintetizou a sua teoria da relatividade numa equação materialmente bela: E=mc2. Lê-se (fui perguntar): a energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado (!). Perante isto, os leigos na matéria – como eu – sentem-se paradoxalmente identificados com o físico: cabelos em pé e língua de fora. Invoco o célebre gesto captado pelo fotógrafo Arthur Sasse no dia 14 de março de 1951, no final da festa do 72.º aniversário de Einstein. Se virmos as várias fotografias de Einstein disponíveis em páginas da Internet, observamos que o Nobel da física (1921) não era de sorriso difícil. Porém, este gesto extravagante, de olhos bem dirigidos para a câmara e cabelos em desalinho, tornou-se num ícone da cultura popular do século XX ocidental (presente em t-shirts, posters, canecas, quadros, e um etecetera de objetos e manipulações tão grande como a imaginação) e a ele tornou-o no epítome do “cientista maluco”.

A língua de fora de Einstein subtraiu-o do mundo sério, complexo, rígido, normativo e cinzento das ciências exatas (simultaneamente abstratas) e relocou-o no mundo não menos sério ou complexo, mas certamente mais flexível, extravagante e colorido das ciências humanas. Sobretudo, colocou-o no centro dos nossos dias, como um de nós, ainda que essa identificação seja só à superfície visível da aparente proximidade entre nós e ele: cabelos em pé, língua de fora, em “modo-gozo”, “modo-maluco”, ou “modo-surpresa”.

A teoria da relatividade é ao mesmo tempo física transcendente (aquela que nós, leigos, não entendemos) e poesia (aquela que a todos, leigos ou não, pode tocar). Sim, mesmo, poesia. E também narrativa e drama.
A teoria da relatividade é assunto para cientistas e este século-milénio assistiu já a importantes momentos sobre o tema, desde logo com o primeiro registo sonoro das ondas gravitacionais em 2015, propostas por Einstein (apenas) em teoria cem anos antes. É também assunto de todos os que repetimos, como se se tratasse de um adágio popular, o verso de António Gedeão/Rómulo de Carvalho, o poeta/físico: “o sonho comanda a vida”.

Como dínamo vital, não há ciência sem sonho. Essa ciência que é poesia, narrativa e drama, tenta explicar o mundo através de hipóteses que são tão belas quanto insanas, tão concretas como irreais: linhas imaginárias de espaço-tempo que constroem um plano dinâmico em que a vida acontece. São estas duas dimensões, o espaço e o tempo, que se relacionam entre si num único conceito, mas que não é raso nem é estático.

Para a maioria de nós, as ciências como a física, a química ou a matemática, são exatas numa medida de espanto que não alcançamos sem ajuda. Com ajuda, podemos chegar a entender a teoria sobre o universo que o pensamento abstrato e a investigação aplicada têm construído, mas entender a teoria não tem implicações na nossa vida. A relatividade da teoria de Einstein joga com dois conceitos numa dimensão abstrata que, embora bela e pura, não nos serve. Todavia, no nosso quotidiano, há uma teoria da relatividade que é mais comum e mais concreta.

Tudo se relaciona e tudo é relativo, isto é, comparamos, contrastamos, pesamos, juntamos e separamos as experiências de dor e de alegria, as obrigações e as paixões, as seguranças e as surpresas, as muitas e variadas dimensões do nosso dia-a-dia. Encontrar para os excessos e para as medidas, para as dúvidas e as certezas, as angústias e os júbilos, para o bulício e para o silêncio, uma harmonia lógica, bela e pura semelhante à do universo, é o meu signo diário (descontextualizo palavras do poeta Fernando Assis Pacheco).

Um dos haiku de José Tolentino Mendonça (A papoila e o monge, Assírio & Alvim, 2013) reza (e reza) assim: “Tudo te pareça igual / a noite e o dia, a alegria e a dor / o tempo e o que está para lá do tempo”

É tudo igual, não por uma osmose que uniformiza e anula, mas tudo igual numa mistura de aqui e de infinito, de presente e de eterno; a súmula perfeita (mas não necessariamente tranquila) de desejo e de certeza de Deus, deixada em verso por Ruy Belo: “somos seres olhados”.

Esta certeza é a nossa teoria do absoluto.

O resto, o resto é relativo.

Mesa Redonda
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