Ser pobre hoje: entre a invisibilidade e a resiliência
Em Portugal, cerca de uma em cada cinco pessoas vive em risco de pobreza ou de exclusão social.


Inês Guerra
19 de novembro de 2025
Nunca como hoje é tão urgente pensar, refletir e agir sobre a pobreza. Ser pobre continua a ser uma realidade persistente — e muitas vezes invisível. A pobreza atual não se limita à ausência de rendimento. Ela revela-se na precariedade habitacional, na insegurança alimentar, na dificuldade de acesso à saúde, na exclusão digital e na solidão social. Como recordou o Papa Francisco, “os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus méritos e defeitos, como todos, e é importante entrar numa relação pessoal com cada um deles” (Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres, 2023).
Em Portugal, cerca de uma em cada cinco pessoas vive em risco de pobreza ou exclusão social. São idosos com pensões mínimas, famílias monoparentais, jovens trabalhadores precários, migrantes e crianças que crescem sem garantias de futuro. Esta realidade confirma o que o Papa Leão XIII já advertia na encíclica Rerum Novarum (1891): “É injusto exigir que o trabalhador se contente com salários que não bastam para a subsistência”. E, mais recentemente, o Papa Leão XIV reforça na exortação Dilexi te: “A pobreza tem causas estruturais que devem ser enfrentadas e eliminadas. Trabalho, educação, habitação e saúde são condições para uma segurança que jamais se alcançará com armas”.
Durante muito tempo, acreditou-se que o trabalho era a principal via para alcançar estabilidade e bem-estar. No entanto, hoje, para muitos, ter um emprego já não é suficiente para garantir uma vida digna. Esta é a nova face da pobreza: pessoas que trabalham, mas enfrentam dificuldades para cobrir as despesas básicas. O Papa Francisco denuncia esta realidade com clareza: “A economia mata quando exclui e quando a desigualdade se torna sistémica” (Evangelii Gaudium, n.º 53).
Nos últimos anos, o custo de vida tem aumentado significativamente. Habitação, energia, transportes e bens alimentares tornaram-se mais caros, especialmente nas zonas urbanas. Para quem recebe salários baixos ou vive com vínculos laborais frágeis, estas mudanças representam um desafio constante. Mesmo com um emprego a tempo inteiro, muitas famílias enfrentam dificuldades para pagar a renda, manter a casa aquecida ou lidar com despesas inesperadas. A nova pobreza manifesta-se em decisões difíceis: optar entre comprar medicamentos ou pagar o passe mensal, entre garantir uma refeição completa ou manter o aquecimento ligado.
Estas escolhas afetam não só o orçamento, mas também o bem-estar físico e emocional. A insegurança financeira prolongada pode gerar ansiedade, stress e frustração, sobretudo quando o esforço diário parece não ser recompensado. Esta realidade não afeta apenas um grupo específico. Pode atingir jovens em início de carreira, famílias com filhos, trabalhadores independentes e até pessoas com formação superior. A diversidade de perfis mostra que a vulnerabilidade económica não depende apenas da vontade individual, mas também de fatores estruturais. Como afirma Leão XIV: “A esmola não é um gesto de superioridade, mas justiça restabelecida” (Dilexi te).
É neste contexto que o conceito de resiliência ganha relevância. Resiliência é a capacidade de enfrentar adversidades, adaptar-se e encontrar formas de seguir em frente. No caso da nova pobreza, ela manifesta-se na forma como muitas pessoas reorganizam o seu quotidiano, procuram alternativas, mantêm o foco nos objetivos e preservam a esperança. Como disse o Papa Francisco: “A esperança é ousada, sabe olhar para além da comodidade pessoal, das pequenas seguranças e compensações que estreitam o horizonte” (Fratelli Tutti, n.º 55).
Importa reconhecer que muitas famílias são verdadeiras heroínas na forma como gerem a sua vida. Com criatividade, coragem e sacrifício, equilibram orçamentos apertados, fazem escolhas difíceis e mantêm a dignidade em circunstâncias adversas. São exemplos vivos de resiliência silenciosa, que merecem não apenas admiração, mas também apoio concreto e políticas públicas que reconheçam e reforcem esse esforço.
Reconhecer esta nova forma de pobreza é essencial para encontrar soluções eficazes. Não se trata de apontar culpados, mas de contribuir para uma sociedade mais justa, onde o trabalho seja uma base segura para construir uma vida com estabilidade e futuro. E onde a resiliência das pessoas seja reconhecida, apoiada e reforçada — não como uma exigência constante, mas como uma qualidade que merece ser acompanhada por condições dignas e sustentáveis. Como conclui o Papa Francisco: “A verdadeira caridade exige uma luta contra as causas estruturais da pobreza e da desigualdade” (Evangelii Gaudium, n.º 188).



