top of page
  • Facebook ícone social
  • Instagram
  • YouTube ícone social

Será possível erradicar a pobreza

Combater a erradicação da pobreza não é tarefa fácil, pois ela exige um modelo económico radicalmente diferente do atualmente vigente, não sendo possível, a curto prazo, desmantelar a “economia que mata”

Será possível erradicar a pobreza
Silvino Ruivo
10 de dezembro de 2025

A ONU assumiu o objetivo de erradicar a pobreza do mundo, neste milénio.

No entanto, sob o domínio do neoliberalismo económico vigente na maior parte das nações ou do capitalismo de Estado vigente nalgumas, tal erradicação é difícil ou mesmo impossível.

O Papa Leão XIV na sua recente Exortação Apostólica, “Dilexi te”, apontando o dever do amor aos pobres, apelou aos homens de boa vontade e aos cristãos, nos tempos difíceis em que vivemos, que definissem e concretizassem estudos e ações em ordem à erradicação da pobreza.

A propósito do domingo de 16 de novembro de 2025, IX Dia Mundial dos Pobres, uma iniciativa do Papa Francisco que convoca as comunidades cristãs e a sociedade civil a refletir e agir, o Papa Leão XIV, em nome dos mais frágeis, no contexto do Jubileu da Esperança, escreveu a mensagem intitulada “Tu és a minha esperança”, inspirando-nos a um olhar que não se desvie do pobre, mas o reconheça como irmão e como um sinal de fraternidade. E, em nome desta, convida os homens de boa vontade, em geral, e os cristãos, em particular, à luta pela erradicação da pobreza.

Com efeito, não existe a categoria de seres humanos ontologicamente pobres em nenhuma parte do mundo. Há, sim, milhões de seres humanos que são remetidos, contra a sua vontade, para uma situação permanente de pobreza pela “economia que mata”, no dizer certeiro de Francisco.

O grito angustiado dos humanos feitos pobres contra a sua vontade, obriga-nos a agir contra a principal causa deste grito: o neoliberalismo económico e o capitalismo de Estado (no seio do qual também não raramente aparecem oligarquias económicas inimigas dos pobres).

Os estudos e as conferências sobre a pobreza e a sua erradicação não devem ser eventos ocasionais desligados de um processo cívico onde cristãos e outros homens de boa vontade podem e devem estar interessados e comprometidos, integrando e militando em organizações cívicas e políticas se necessário.

Um dos participantes na conferência “Hope in rough times. Chalenges in politics, environment, economy”, organizada pela Sophie University – Loppiano (Italy), em 17-18 outubro de 2025, sublinhava, no ano do Jubileu da Esperança, que a luta contra a pobreza, dependeria como os cristãos assumissem a pequena, média e grande esperança que os animará na sustentação dessa luta.

A pequena esperança do cristão manifesta-se na oração individual, por si e pelos outros que conhece, na esperança de uma cura física para si ou pessoas que lhe são próximas, na “caridadezinha” da esmola ocasional ao pobre que encontra na rua, em suma, ações individuais respeitáveis, mas de curto ou nulo alcance no combate à erradicação da pobreza.

A média esperança manifesta-se, por exemplo, no voluntariado permanente de apoio aos pobres como as Conferências de São Vicente de Paulo, na organização de eventos sobre a necessidade de erradicação da pobreza, nas ações de apoio como as das Cáritas diocesanas, no projeto do Banco Alimentar, de Isabel Jonet, etc., mas que não atacam as causas da pobreza, antes, por vezes, “ajudam” os poderes políticos administradores do neoliberalismo económico e do capitalismo de Estado a desresponsabilizarem-se do problema da pobreza.

A Grande Esperança é a de que os cristãos compreendam que a pequena e média esperança, ocasionalmente necessárias e úteis aos pobres, não erradicam a pobreza. Consequentemente, devem assumir por inteiro a participação em todas as iniciativas e ações cívicas e políticas tendentes ao atenuar e, in fine, a desmantelar as causas da pobreza como, e por exemplo: o povo equatoriano, referendou uma nova Constituição da República Equatoriana que prevê a erradicação do neoliberalismo económico.

O cristão, se só habitado pela pequena e média esperança, pouco ou nada contribui para a erradicação da pobreza. Só se habitado pela Grande Esperança pode contribuir para a erradicação da pobreza. Como?

Combater a erradicação da pobreza não é tarefa fácil, pois ela exige um modelo económico radicalmente diferente do atualmente vigente, não sendo possível, a curto prazo, desmantelar a “economia que mata”. No entanto, é possível gradualmente erradicar a pobreza se os cristãos e homens de boa vontade apoiarem politicamente o regresso a Keynes, instaurando, a nível do poder político, um modelo neokeynesiano, adaptado aos novos tempos em que o poder económico passe a estar de novo sujeito ao poder político. Para isto é necessário o “incómodo” da militância política.

O keynesianismo foi um modelo económico ao serviço, com sucesso, da recuperação económica da Europa pós Grande Guerra. Depois da adoção no Ocidente da “economia que mata” a partir dos anos 80 do século passado, seria bom que um neokeynesianismo voltasse à Europa e ao mundo para contribuir gradualmente para a erradicação das causas da pobreza.

Os cristãos devem ter consciência de que são, simultaneamente, cidadãos do Reino e dum Estado-nação e que, nesta dupla dimensão, devem participar ativamente na vida política, lutando pela erradicação da pobreza. A obrigação moral de lutar contra a pobreza é “fazer justiça ao humilde e ao pobre” (Sl 82,3-4.6-7).

Tenhamos presente São Vicente de Paulo, que exortava Luísa de Marillac, a Filha da Caridade por excelência, a servir Cristo nas prisões pois os pobres que ali estão “não deixam de ser membros d’Aquele que se tornou servo”, tal como os que vivem hoje numa situação de pobreza, na prisão do neoliberalismo económico. E indo mais além na sua exortação espiritual a Luísa de Marillac: “Não te custará muito carregar com as panelas se tiveres sempre Jesus Cristo como o destinatário do teu serviço. Se te esqueceres, ainda que por pouco tempo, da ideia de que os pobres são membros de Jesus Cristo, diminuirá, necessariamente, a delicadeza e o amor que deves sempre ter com estes nossos queridos senhores.”

Do trabalho de Luísa nas prisões, à libertação dos pobres! Não só através da pequena esperança - a da caridadezinha -, mas através da média e, sobretudo, da Grande Esperança.

Esta Esperança tem de se traduzir numa práxis solidária que, como disse de modo incisivo Kant, “...tem de ser de tal modo que não se possa pensar que não existe um Além” e um Absoluto bem. Nesta práxis, está implicada a Transcendência e a convicção do Absoluto, e a convicção de que Cristo não é uma simples figura histórica incontornável, mas uma Pessoa agindo na História, convidando os cristãos, através da participação na pequena, média e Grande Esperança a agirem de modo a que o finito e o mundo da injustiça não sejam as últimas e definitivas coisas no planeta Terra.

O ser cristão, não é um evento ou selo de adesão a Cristo, mas um processo contínuo em que o batizado se encontra na luta diária, de queda e levantamento, até ao estádio final dessa luta em que ele possa dizer: “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. E porque Cristo vive em mim, porque cristão, sou participante ativo na luta contra a pobreza, por esta ser uma situação iníqua e vergonhosa em que vivem milhões de seres humanos.

Mesa Redonda
Missão onlife:
Cultura
Sociedade
Casa Comum
Missão
bottom of page