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O lado social da pandemia

A pandemia trouxe à tona um tema relevante, que era invisível e muitas vezes desvalorizado: percebeu-se que as instituições sociais e os profissionais que nelas trabalham, entre eles assistentes sociais, têm um papel fundamental na resposta às comunidades.

O lado social da pandemia
Inês Guerra
23 de junho de 2021

A pandemia de Covid-19, causada pelo vírus SARS-Cov-2, teve repercussões não apenas de ordem biomédica e epidemiológica em escala global, mas também repercussões com impactos sociais, económicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história recente das epidemias.
A palavra “pandemia”, como outras, tais como “postigo”, “quarentena” e “isolamento social”, palavras que não faziam parte do nosso vocabulário, integraram narrativas sociais quotidianas. transformando as nossas vivências de forma abrupta.

Num curto espaço de tempo, a pandemia transformou o mundo de uma forma nunca antes imaginada, com o encerramento de fronteiras e medidas de isolamento social. Esta calamidade ocorre, para nós, num espaço que tem como uma das regras fundamentais a livre circulação e um mundo crescentemente caracterizado por uma mobilidade global nunca antes atingida. Ao contrário de tudo o que se imporia para uma pronta reação (ou prevenção) a um vírus com uma elevada taxa de transmissibilidade.
Com o isolamento social que nos foi exigido, sob o lema “fique em casa”, alguns indicadores do meio ambiente tiveram melhorias expressivas em termos globais, como a qualidade do ar e da água e o ressurgimento de espécies animais nos espaços urbanos. Por outro lado, como referem duas investigadoras da Universidade de Aveiro, Luísa Silva e Joana Prata, autoras de estudos sobre o aumento de lixo durante a pandemia, estima-se, com base em estratégias de saúde pública, que a nível mundial são necessárias, mensalmente, 129 mil milhões de máscaras e 65 mil milhões de luvas. Para além destes materiais de proteção, que não são recicláveis, verificou-se, também, um aumento exponencial de outros plásticos, como embalagens de take away, sacos e garrafas, que, em vez de continuarem a ser reciclados, foram para o lixo indiferenciado.

Ao mesmo tempo fomos inundados por notícias sobre a pandemia no mundo, e o medo e a incerteza inundaram as nossas casas. Através de muitas notícias, fomos conhecendo o lado social do nosso país que para muitos era totalmente desconhecido.

Como assistente social e professora fui acompanhando o trabalho que muitas instituições sociais realizavam na linha da frente no combate a este vírus. Tive a sensação de que estávamos em guerra, nunca tendo estado em nenhuma, mas que o inimigo era invisível e totalmente desconhecido, e a nossa maior arma era não sair de casa.

Muitos não conheciam o relevante trabalho que as instituições sociais realizavam, outros não tinham noção do elevado número de instituições de apoio a idosos que existiam e do seu excecional trabalho, da dedicação e amor de quem trabalha todos os dias para que aquelas pessoas tenham maior qualidade de vida e bem-estar numa fase da vida em que todos os cuidados são necessários.

Para mim, a pandemia trouxe à tona um tema relevante, que era invisível e muitas vezes desvalorizado: percebeu-se que as instituições sociais e os profissionais que nelas trabalham, entre eles assistentes sociais, têm um papel fundamental na resposta às comunidades. Estes profissionais tiveram de reagir prementemente num momento crucial, reinventando, inovando e repensando as suas respostas face aos recursos escassos, mas nunca esquecendo as necessidades que a população lhes colocava.

A comunicação social também nos mostrou enormes movimentos de solidariedade nas nossas comunidades. Exemplo disso foi a confeção de máscaras, quando estas eram um bem escasso, pessoas e grupos que se organizaram para confecionar e distribuir refeições, nomeadamente para os nossos profissionais de saúde, jovens que se disponibilizaram para fazer compras pelos vizinhos mais velhos, médicos reformados que se voluntariaram para colaborar no combate à pandemia, grupos de jovens que se voluntariaram para trabalhar em instituições de apoio à 3.ª idade, tantos exemplos. Vimos diferentes formas de solidariedade. Senti que as pessoas se mobilizaram para apoiar na resposta à pandemia, cada uma oferecendo os seus talentos para fazer face a este verdadeiro desafio que é a pandemia. Este momento ensinou-nos novos modelos de trabalho, hábitos, valores e, acima de tudo, mostrou às pessoas que a arma mais poderosa contra a crise trazida pela pandemia é a solidariedade.

Esta pandemia também nos fez repensar e olhar para a vida de outra forma, tendo muitos nós reconsiderado projetos de vida. Percebemos que tínhamos de voltar ao essencial, não nos deixando levar pelo turbilhão da vida. Valorizámos abraços, um aperto de mão, a brisa do mar, voltámos a sentir saudades… Foi um bom momento para nos ressituarmos no mundo e pensar o que queremos dele, houve um despertar para as coisas desnecessárias.

Neste perspetivar de vida percebemos que somos muito mais vulneráveis do que pensávamos, tomando consciência sobre a nossa finitude ou a finitude de quem nos rodeia, e para isso tivemos de proteger as pessoas mais vulneráveis, os nossos pais e avós. O distanciamento social, tão necessário no enfrentar desta nova ameaça, ensinou-nos a sermos mais presentes junto daqueles que fazem parte do nosso dia a dia e a perceber detalhes que antes passavam despercebidos.

Para as famílias foram tempos desafiantes, vividos como um tempo de regresso à família. Um regresso forçado e repentino ao lar, onde as famílias intensificaram o tempo de convivência, o que em algumas situações fez surgir tensões no relacionamento. O maior tempo de convivência pode ser positivo, mas requer desafios a serem superados. O teletrabalho, as aulas online, a energia própria das crianças, tiveram de conviver dentro do mesmo espaço, geraram tensões na gestão das dinâmicas familiares. Aliado a isto, muitas famílias perderam rendimento ou ficaram mesmo em situação de desemprego.

Os efeitos sociais da pandemia de COVID-19 vieram dar visibilidade ao crescimento das desigualdades sociais, em parte devido ao aumento do desemprego nas suas múltiplas formas, em especial dos trabalhadores precários, “dependentes” ou “independentes”, da economia formal e da informal (trabalho doméstico, turismo, restauração, serviços de reparações, entre outros). Muitos destes desempregados não têm acesso ao subsídio de desemprego, por ausência de uma relação laboral formal ou por não terem o número de dias de contribuições suficientes para cumprirem o período de garantia do regime de segurança social vigente. Acresce que, por vezes, também não têm direito a qualquer outra prestação social dos regimes de proteção social de cidadania, salvo os apoios eventuais da ação social pública ou de entidades do terceiro setor.

O verdadeiro impacto social da pandemia não é mensurável. As próximas décadas farão perceber o que se passou e qual foi o real impacto social. As nações, as famílias e as pessoas tiveram que se reinventar e dificilmente voltarão a ser as mesmas, sendo que voltar ao normal não significa, necessariamente, retornar aos velhos hábitos, mas sim, colocar novos em prática. Não se pode romancear uma crise, mas é necessário extrair dela aprendizagens e memórias que não sejam exclusivamente de sofrimento, mas de superação.

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