top of page

Não basta ter um sínodo... é preciso SER sínodo

Escutar é a atitude do discípulo. É a partir da escuta que nasce, no coração de cada um, o dom da hospitalidade. Por isso é que a escuta é, outrossim, a nossa primeira oração. A primeira oração, que podemos fazer, não é dizer palavras. É escutar.

Não basta ter um sínodo... é preciso SER sínodo
Fernando Lopes
13 de dezembro de 2023

São palavras do Papa Francisco, que nos desafiam a fazer esta experiência, todos os dias, de caminhar juntos, “não só com aqueles que pensam da mesma maneira – isso seria fácil –, mas com todos aqueles que creem em Jesus (1)”.

Diante destas palavras, podemos intuir que não basta saber que a Igreja é sinodal. É preciso ir mais longe: é preciso que cada cristão seja sinodal. Aquilo que nos é pedido – e que já está presente na raiz da palavra sínodo – é que caminhemos juntos.

Neste processo de caminhar juntos existem vários aspectos a ter em conta. Um deles é a arte de escutar.
Escutar é a atitude do discípulo. É a partir da escuta que nasce, no coração de cada um, o dom da hospitalidade. Por isso é que a escuta é, outrossim, a nossa primeira oração. A primeira oração, que podemos fazer, não é dizer palavras. É escutar. Essa é a primeira oração: “Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único!” (Dt 6, 4). Escutar é a primeira declaração de interesse. Quero entrar em relação contigo. Tu interessas-me. Acolho o que tu dizes… como se lhe dissesse: tu não estás só. Arranco-te da tua solidão. Há um eu diante de um tu. Existe comunicação. Hospeda a vida do outro. O que fere é quando ouvimos, sem escutar. Ou quando ouves com impaciência. Hoje, a velocidade cria surdez. Quando paramos, escutamos e quando isso acontece... voltam os rostos, volta o mais belo do mundo. Olhemos, um pouco, para o texto de Mc 7, 31-37, a cura de um surdo-mudo.

Jesus começa a cura deste homem pelos ouvidos, pelo escutar. Só sabe falar quem sabe escutar. Surdo tem a mesma raiz de “ab-surdo”. É surdo aos outros. Entra no absurdo de não compreender, entra no sem sentido da sua vida. Quem não sabe escutar, entra na confusão, na desorientação. Por outro lado, sai do absurdo quando escuta.

Pode iluminar um pequeno texto do diário de Etty Hillesum, escrito a 5 de Setembro de 1941: «Preciso mesmo de me tornar mais simples. Deixar-me tornar um pouco mais viva, não querer ver imediatamente resultados na minha vida. O remédio sei-o agora; preciso é encolher-me num canto, no chão e, assim encolhida, escutar o que se passa dentro de mim. A pensar nunca resolvo o assunto. Pensar é uma enorme e bela ocupação quando se estuda, mas não é a pensar que uma pessoa consegue “sair” dos estados de alma difíceis. Nesse caso outra coisa tem de acontecer. É preciso saber tornar-se passivo, pôr-se à escuta e encontrar de novo o contacto com uma parcela da eternidade».

A sinodalidade, o caminhar juntos, exige que me faça, à imagem de Jesus, companheiro de viagem: “Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho (2)” (Lc 24, 15). Estamos perante uma das mais belas imagens de sinodalidade. No encontro de Jesus com estes dois discípulos está toda a missão da Igreja. Jesus caminha lado a lado, não para corrigir o nosso passo ou o nosso ritmo... caminha para dar Vida. A nossa missão é também a de percorrer as estradas onde caminham os outros, escutar os seus desabafos... ser companheiros de viagem, de caminho. Esta é uma imagem forte, corajosa e que faz lembrar o Antigo Testamento, onde o Senhor caminha com o seu povo e o protege: “Sê forte e valente! Não temas, nem te aterrorizes à vista deles. Pois, o Senhor, teu Deus, vai contigo; não te deixará sucumbir nem te abandonará! Depois, Moisés chamou Josué e disse-lhe na presença de todo o Israel: «Sê forte e valente! Porque tu é que vais entrar com este povo na terra que o Senhor jurou dar a seus pais. Tu é que a repartirás entre eles. O próprio Senhor irá à tua frente; Ele estará contigo; não deixará que o teu joelho se dobre e não te abandonará. Não temas, portanto, nem desanimes.” (Dt 31, 6-8)

O companheiro de viagem não é aquele que faz, apenas, um bocado de estrada em conjunto. Não basta a proximidade física. É preciso suster o outro, despertar a esperança e orientar para Aquele que, com o alimento da Palavra e do Pão, faz arder o coração: “Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32)

A missão de caminhar juntos não termina... faz parte da nossa natureza, como faz parte da natureza da Igreja, como faz parte da natureza de Jesus: “sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos”. (Mt 28, 20)

Continua...

(1) PAPA FRANCISCO, Discurso aos membros do sínodo permanente da Igreja Greco-Católica Ucraniana, 5 Julho de 2019.
(2) O termo grego usado em Lc 24, 15 é: συνεπορεύετο – caminhar com, ir juntos. Revela uma grande proximidade da palavra sínodo (caminhar juntos).
Mesa Redonda
Missão onlife:
Cultura
Sociedade
Casa Comum
Missão
bottom of page