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Moçambique: clarões de esperança num mar de sofrimento

Com 41 anos de ligação afetiva e efetiva a Moçambique, onde a Família Vicentina vive e atua desde 1936 junto dos mais pobres, tem para mim sentido de missão informar, na sequência do artigo “Norte de Moçambique: alerta contra o esquecimento” (06/07/2022) por um lado, sobre a situação preocupante que predomina, e, por outro, salientar alguns “clarões de esperança”, anunciadores de um amanhã de ressurreição.

Moçambique: clarões de esperança num mar de sofrimento
Pe. Luciano Ferreira, CM
26 de abril de 2023

Pouco se fala deste País e da situação real do seu povo, a não ser para noticiar mais um episódio brutal da guerra que se prolonga há mais de 5 anos nas províncias do Norte, sobretudo em Cabo Delgado. E agora que parecem vir ao mesmo tempo, por toda a parte, os mais variados e devastadores cataclismos e conflitos bélicos; as emergências humanitárias mais dramáticas são facilmente esquecidas e as respostas solidárias drasticamente reduzidas. Essa é a angustiante vivência de quem está junto das populações mais necessitadas para as socorrer.

Um exemplo trágico desta realidade: na missão de Ocua/Cabo Delgado, uma missionária leiga de Braga fala em famílias, com bebés, que “comem folhas para enganar a fome”… É uma consequência indireta da guerra na Ucrânia, que absorve as atenções, enquanto outros conflitos e flagelos passam a plano secundário (cf. Ecclesia, 02/03/23).

Com 41 anos de ligação afetiva e efetiva a Moçambique, onde a Família Vicentina vive e atua desde 1936 junto dos mais pobres, tem para mim sentido de missão informar, na sequência do artigo “Norte de Moçambique: alerta contra o esquecimento” (06/07/2022) por um lado, sobre a situação preocupante que predomina, e, por outro, salientar alguns “clarões de esperança”, anunciadores de um amanhã de ressurreição.

1.Situação preocupante:
As fontes de informação e análise da Igreja Católica (CEM, dioceses, missionários, Cáritas, Vatican News, AIS…), da ONU (Acnur, Fam, Unicef, Pnud, OMS…), dos Médicos sem Fronteiras e da imprensa moçambicana, destacam:

- Que a província de Cabo Delgado enfrenta há mais de cinco anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico; a insurgência levou a uma resposta militar desde julho de 2021 com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a sul da região e nas vizinhas províncias de Nampula e Niassa. Além de um milhão de deslocados, o conflito já provocou cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED;

- Que “a situação ainda é muito preocupante e o nosso apoio continua a ser muito importante”; “vemos ataques esporádicos, a cada semana…; cada ataque conduz a movimentos de pessoas”, que é preciso apoiar, embora muito longe do que seria preciso, pois apenas dispomos de 23%. dos 43,25 milhões de euros indispensáveis (Lara Bommers, Acnur-Lusa, 19/04/23);

- Que a AOCHA/ONU estima que 975 mil pessoas estejam a precisar de ajuda em Moçambique por causa dos ciclones e da epidemia de cólera que eclodiu após as tempestades de fevereiro e março; o ciclone Freddy, deixou 169 mortos, 700 feridos, mais de 130 mil casas destruídas e mais de 50 mil deslocados, além de muitos danos em infraestruturas e campos de cultivo, no centro do País; segundo a OMS é a pior epidemia na última década (cf. RTP/Lusa,18/04/23).

- Que a estes aspetos trágicos, junta-se um cortejo de obstáculos internos no funcionamento do Governo e responsáveis do Estado. Os pronunciamentos recentes no falecimento do artista rapper, Edson da Luz, de nome popular Azagaia, e após tumultos ocorridos na sua homenagem, a 18 de março; e o Relatório da Procuradora-Geral da República (19/04/23) mostram um aumento crescente destes obstáculos, que a CEM e a Comissão Justiça e Paz têm apontado diversas vezes: (cf.: À Tua Descendência Darei esta Terra, abril 2017; A Coragem da Paz e o Compromisso da Missão, novembro 2019; Nota Pastoral de 11/11/2022). Chamam a atenção algumas advertências: “nenhuma paz sobrevive a exclusões e injustiças sociais”; e: “sem garantir aos jovens a realização dos seus sonhos, a própria nação verá comprometido o seu sonho de ser protagonista do seu futuro”.

São esclarecedoras, também, sobre as causas da marginalização do povo mais pobre e da juventude, as intervenções de figuras como o filósofo e professor universitário Severino Ngoenha, no seu artigo “Prelúdio pós mortem (de) R(apper) maior” - último adeus, mano Azagaia!” (19/04/23); ou da conhecida ativista Graça Machel, sobre a necessidade de “libertar o espaço cívico… de desmontar o medo” (11/04/23, no Debate sobre o Estado de Direito) e quanto ao conflito no Norte: “Com ou sem insurgência é preciso gerir os recursos com consciência plena e completa de que esses recursos são para servir todos e cada um dos moçambicanos” (Cabo Verde,13/09/22).

2.Clarões de esperança
Prestes a cumprir 48 anos de Independência, Moçambique tem uma população estimada em 33,9 milhões de habitantes, dos quais 43% com menos de 15 anos, percentagem que evidencia a sua juventude e esperança (FNUAP-ONU,19-04/23);

É possível verificar, entre outros, nos últimos meses, para além do destaque global dado pela eleição de Moçambique para membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, obtendo um total de 192 votos de 193 Estados da Assembleia Geral, o realce que merecem os seus chamativos recursos e a experiência de várias décadas de esforços para a solução de conflitos bélicos e a busca da paz, por meio do diálogo e da procura de soluções concertadas em comum.

Há, nesta linha, um consenso cada vez mais alargado de que a insurgência violenta e terrorista no Norte não se resolve apenas e sobretudo pela via militar, mas priorizando soluções de diálogo e criando condições de humanização e desenvolvimento sobre o terreno, juntamente com as populações e comunidades, atacando assim as raízes do descontentamento e da revolta (cf. Pres. Nuysi, Quelimane, o País, 21/04/23).

A II Jornada Nacional de Jovens católicos (Nampula/Nov2022), “para os encorajar a pôr a sua energia, criatividade e generosidade à disposição para juntos construirmos uma sociedade baseada na “amizade social” e já preparando a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, e a IV Assembleia Nacional de Pastoral prevista para Nampula (17 a 21 de Maio/23), que terá muito em conta toda esta problemática, com o tema: “Reavivar o Anúncio e o Testemunho da Palavra de Deus, hoje”, não deixam de abrir clarões de esperança, pois na participação e corresponsabilidade sinodal ativa das comunidades locais e seus pastores, a Igreja poderá crescer como fermento do Evangelho, tornando-se mais profética e samaritana. E fortalecerá ainda mais o seu papel de fomentadora de diálogo e reconciliação na sociedade, valorizando as próprias capacidades e meios.

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