Moçambique, 2025: nova página de esperança
Por ter partilhado várias décadas a sorte dos moçambicanos, bem gostaria de ver realizado a seu favor o sonho profético de renascimento e transformação do Êxodo bíblico: “Olhai, vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes?” (Is 43,18).


Pe. Luciano Ferreira, CM
30 de abril de 2025
Será desta que o País se livra do caos generalizado e da perda da sua própria identidade nacional, agora que celebra 50 anos de independência? Irá a cultura da pacificação, unidade e estabilidade, com base na justa repartição e responsável administração dos bens de todos, prevalecer sobre a violência cega, a corrupção endémica, a extorsão, sob a força do medo e das armas? Readquirirá viabilidade esta tão bela e promissora nação, rica em recursos naturais e nos admiráveis talentos do seu povo jovem? Que virá mais, depois de tanta desolação, ainda agravada pelos 3 recentes e devastadores ciclones?
O filósofo Severino Ngoenha, um dos qualificados alunos dos Missionários Vicentinos no Seminário de S. Pio X, de família que frequentei na Munhuana, exprimia-se assim, durante o Tríduo Pascal: “Há demasiado tempo que Moçambique vive entre a cruz e o túmulo. Demasiado tempo que carregamos, geração após geração, uma Sexta-Feira interminável, e um Sábado sem sentido. É a cultura do conflito sem dialética, da exclusão sistemática, da política como via-sacra de vinganças, e não de redenção. Nessa Sexta-Feira eterna, as crianças morrem de fome, as mulheres morrem de medo, os jovens morrem antes de nascerem para o mundo, e o povo morre de silêncio. Morre-se por ser ronga, ou maconde, ou sena. Morre-se por pensar diferente. Morre-se por querer viver…” (A Última Páscoa dos Moçambicanos, em: “Carta de Moçambique”, 19/04/25).
Por ter partilhado várias décadas a sorte dos moçambicanos, bem gostaria de ver realizado a seu favor o sonho profético de renascimento e transformação do Êxodo bíblico: “Olhai, vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes?” (Is 43,18). Sem ingenuidades ou ignorar a dimensão dos obstáculos e desafios, apraz-me destacar alguns sinais de esperança que, em especial no último trimestre, desanuviam o horizonte e abrem a um novo amanhã:
O encontro de 23 de março entre o recém-empossado Presidente da República, Daniel Chapo, e o auto intitulado “Presidente do Povo”, Venâncio Mondlane, para pôr fim à violência. Segundo os analistas, o ex-candidato da oposição ao regime da Frelimo, implantado há 50 anos, mais votado, “é ouvido pelos pobres e consegue ligar e desligar o País”. Mas ambos declararam que tal encontro foi “em busca de uma solução nacional para o grito de socorro da população em relação à insegurança extrema em que o País se encontrava”. O novo Chefe de Estado tem repetido, nas suas intervenções: “diálogo, diálogo…, nossa missão, nossa prioridade!”
A lei aprovada na Assembleia da República, em 6 de abril, “por consenso, unanimidade e aclamação”, mesmo se toda a oposição mantém, como Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados eleitorais, para “estabelecer os princípios e diretrizes para um diálogo nacional inclusivo” e chegar a acordos relativos a espetos de revisão constitucional e governação”. Prevê a “reforma do Estado” e revisão do sistema político, quanto aos poderes do Presidente, a despartidarização das instituições do Estado, descentralização e desconcentração política, económica e financeira. Os objetivos em vista são: “a reconciliação dos moçambicanos, a consolidação da unidade nacional, a harmonia social, a manutenção da integridade territorial, a estabilidade política”.
A reavaliação em curso dos acordos e cláusulas contratuais dos megaprojetos com grandes empresas multinacionais, em vigor em alguns casos, há mais de 20 anos, sem acautelarem devidamente os benefícios sociais e a participação das populações, em particular dos jovens. Nas primeiras visitas às províncias, o chefe de Estado referiu os casos da exploração do gás liquefeito, das minas de rubis e grafite em Cabo Delgado, da indústria do aço na Matola, da indústria petroquímica e de gás em Inhambane, das minas de carvão em Tete, das areias pesadas no Chibuto e em Moma (Nampula).
O lançamento em Nangade, a 7 de abril, junto à Tanzânia, da “chama da Unidade”, que como, há cinquenta anos, deverá passar de mão em mão e de província em província até chegar a Maputo, no dia 25 de junho, ligando fraternalmente todos os filhos da mesma Pátria, um belo ideal e programa de futuro com esperança!
E a maior riqueza do País, a juventude – quase 80% da população abaixo dos 35 anos e quase 50% abaixo dos 16 anos! - que não pode ser desperdiçada, deixada à margem ou instrumentalizada, como alertam os Bispos do País e da Região (CEM, Ag Ecclesia, 22/11/25 e Vat News, 17/04/25).
Estamos perante iniciativas que vão ao encontro das reclamações dos cidadãos em geral, em particular dos jovens e da grande maioria da população empobrecida (65/%). Muitos dos analistas e estudiosos, coincidem no diagnóstico dos principais obstáculos à melhoria da vida do povo e ao seu desenvolvimento integral e apontam para as transformações necessárias (vg: os livros recentes de Armando Nhantumbo: A Guerra em C. Delgado e de T. Sulemane e J. Mosca, “do País sonhado ao País vivido”, ou as análises do Observatório Rural e do IESE). As intervenções do Episcopado, o testemunho corajoso dos Missionários, o apoio dos Papas e dos Bispos da Região, em sintonia com diversas organizações humanitárias, não têm cessado de propor o diálogo e a inclusão social como o melhor remédio para a resolução dos problemas, sugerindo mesmo “um possível governo de unidade nacional”, para restaurar a normalidade num País que se quer vivo e ativo e não silenciado pelo medo da violência” (cf: CEM, Ecclesia, 22/11/24).
Quanto à “dissidência” em Cabo Delgado com tendência a alastrar sob a forma de “terrorismo” (apoiada pelo Estado Islâmico), de que falei nos artigos anteriores, e os focos de instabilidade militar, saques de bens e raptos nas cidades ou estradas, os autores acima e outros (cf: Da Crise à Solução “Escutar o povo…, de Gr Pirio, R Pitelli e Yus Adan, 2022; Hanlon, Desafios para Moçambique: “má gestão e exploração desigual de recursos”, IESE,2024), apontam a mesma linha de solução, que nunca pode ser apenas na base das forças militares ou policiais mas de transparente proximidade das populações locais, com prioridade aos seus problemas reais, com diálogo paciente para obter juntos as condições de segurança e paz.
A concluir, quando acaba de partir para o Pai das Misericórdias, o profético Papa da Esperança, Pastor Universal, Francisco, grande amigo de Moçambique, coração sempre próximo dos mais pobres e esquecidos, transcrevo o apelo da sua última Bênção “Urbi et Orbi” (20/04/25): “Não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. Estas são as ‘armas’ da paz: aquelas que constroem o futuro, em vez de espalhar morte”.