Dia Europeu de Combate ao Tráfico de Seres Humanos
O belíssimo palácio D. Manuel, em Évora, acolheu o II Encontro da Rede Regional do Alentejo de Apoio e Proteção de Vítimas de Tráfico de Pessoas, precisamente para assinalar o dia europeu da luta contra este crime - 18 de outubro.
Eugénia Quaresma
23 de outubro de 2024
O belíssimo palácio D. Manuel, em Évora, acolheu o II Encontro da Rede Regional do Alentejo de Apoio e Proteção de Vítimas de Tráfico de Pessoas, precisamente para assinalar o dia europeu da luta contra este crime - 18 de outubro.
Os desafios que a região enfrenta foram o mote para escutar as vozes silenciadas e compreender um pouco melhor a complexidade deste fenómeno transnacional. As intervenções do relator nacional, da coordenadora do observatório do TSH, de técnicos(as) de organizações da sociedade civil, das vítimas, autoridades policiais, de fiscalização, e especialistas estatais confirmaram que o TSH é um crime hediondo, que assume diferentes formas e incorpora outros delitos, igualmente perversos e gravosos. Para todos eles existe um enquadramento legal, a nível nacional e internacional, que exige da Justiça agilidade e aperfeiçoamento dos meios para combater eficazmente o oportunismo ardiloso das redes criminosas.
É profundamente perturbador saber que o aliciamento mina relações de confiança, e escolhe vítimas em especial vulnerabilidade. Pessoas que pela sua debilidade psicológica, pelo défice cognitivo, pelo consumo abusivo de álcool/drogas, porque estão sem-abrigo, enfim, pessoas socialmente excluídas, de quem à partida ninguém sentirá a falta, são alvo de recrutamento com a finalidade de serem exploradas e reduzidas a mercadoria. É igualmente perturbador saber que os sonhos mais legítimos podem ser manipulados e ultrajados, sem fronteiras.
Ao escutar a voz de quem trabalha pela proteção e resgate das vítimas, aprendemos que há quem há quem se interesse, há quem cuide, há algo que se pode fazer, mas confirmamos que a tarefa é complexa; somente uma resposta integrada e articulada revelará eficácia.
Nas orientações pastorais contra o tráfico de seres humanos, publicadas em 2019, podemos ler a seguinte afirmação de S. João Paulo II,1988:
«O ser humano, quando não é visto e amado na sua dignidade de imagem viva de Deus (cf. Gn1,26), fica exposto às mais humilhantes e aberrantes formas de instrumentalização que o tornam miseravelmente escravo do mais forte».
Questiono a fraqueza moral deste “mais forte”, que covardemente usa de meios escusos e violentos para subjugar, manipular, maltratar, extorquir e explorar, aqueles e aquelas que são restringidos na sua liberdade e sujeitos a tamanha expropriação da dignidade.
Ao escutar testemunhos reais, como não refletir sobre o mal que precisa de ser combatido? Cresce a certeza de que o mal nos cerca e reside no coração de cada ser humano. Exige atenção e vigilância constante, para não ceder nem se tornar refém da ganância, do egoísmo, de redes mafiosas.
Questiono as culturas que permitem e alimentam o casamento precoce e forçado, que permitem a servidão doméstica, as desigualdades de género, a iliteracia, violência física e psicológica, abuso e violência sexual, e choca-me de igual forma a venda de menores e as adoções ilegais de bebés, um exemplo cabal da miséria moral e material que se retroalimentam, evidenciando que se não houvesse procura não haveria venda.
Choca-me que o ser humano seja tratado, usado e abusado como objeto descartável.
Questiono quem lucra com a iniquidade, a injustiça e a desigualdade? Como conduzi-los à conversão?
O Papa Francisco, na Mensagem para a Celebração do XLVIII Dia Mundial da Paz, 8 de dezembro de 2014, recorda-nos que «A Igreja […] tem o dever de mostrar a todos o caminho da conversão, que induz a voltar os olhos para o próximo, a ver no outro – seja ele quem for – um irmão e uma irmã em humanidade, a reconhecer a sua dignidade intrínseca na verdade e na liberdade.»