Caminho e Missão: o tempo é agora
Setembro é tempo de recomeços. É tempo de (re)planear. É tempo de (re)fazer propósitos, traçar objetivos. Para mim também tem sido tempo de parar caminhando, nos Caminhos de Santiago.
Fazer um Caminho de Santiago, fazer o Caminho, tem sido uma espécie de retiro anual.
Sara Poças
08 de setembro de 2021
“O que te peço, Senhor, é a graça de ser. Não te peço mapas, peço-te caminhos: o gosto dos caminhos recomeçados, com suas surpresas, suas mudanças, sua beleza.” (D. José Tolentino Mendonça)
Setembro é tempo de recomeços. É tempo de (re)planear. É tempo de (re)fazer propósitos, traçar objetivos. Para mim também tem sido tempo de parar caminhando, nos Caminhos de Santiago.
Fazer um Caminho de Santiago, fazer o Caminho, tem sido uma espécie de retiro anual. Um tempo para cansar o corpo e esvaziar a mente. Um tempo para refletir sobre a minha relação comigo, com os outros, com Deus. Um tempo de contemplação. Um tempo para me deixar encantar pela natureza, pelas pessoas e pelas histórias que se cruzam no Caminho.
E partir em Missão? Tem as suas semelhanças!
Permitam-me, assim, fazer algumas considerações e comparações em relação a este partir, no Caminho ou em Missão.
1. Para partir, no Caminho ou em Missão, é necessário sentir uma vontade, um apelo – interior ou divino ou ambos -, uma intuição. Depois podemos ficar só pela vontade ou podemos fazer acontecer. Lembro-me que a primeira vez que fiz o Caminho, em 2009, tinha acabado de regressar da Guiné-Bissau, após três anos de Missão, e precisava mesmo de esvaziar a mente para voltar a arrumá-la num novo registo. Precisava de tempo sozinha para fazer esta arrumação mental e do coração. Os meus não acharam graça eu querer fazer o Caminho sozinha, por isso procurei companhia, na certeza de que iria de qualquer forma. E assim foi!
2. O Caminho ou a Missão começa com a decisão da preparação. Caminhar todos os dias ou fazer formação, ler sobre o caminho ou ler sobre a cultura e o contexto para onde partimos, procurar locais onde ficar, deixando espaço para que o imprevisto nos surpreenda ou “primeiro estranha-se e depois entranha-se”. É responder à pergunta: estou fisicamente preparada para partir? Por quanto tempo? ... na certeza de que a vontade e a motivação manda muito mais do que o nosso corpo! A preparação também é um caminho de discernimento. Isto significa que, no final, se eu decidir, em consciência, que não estou preparada para partir ou que ainda não é o momento, é tão válido como decidir partir – ou ainda mais.
3. O Caminho ou a Missão é estar só. Sim, essa expressão usada em alguns contextos africanos, que nos aproxima tanto da nossa essência: basta estar, basta a presença, não é preciso dizer nem fazer nada. O meu valor é pelo que eu sou e isso basta. E a partir daqui temos as premissas para nos relacionarmos com as pessoas que se cruzam no nosso caminho: não preciso de receber nada e não preciso de dar nada, a não ser aquilo que sou, e receber aquilo que o outro é. E isso dá-nos uma grande clareza e liberdade em relação a pessoas de outras culturas. É uma coisa que, no início, nos faz confusão? Sim, porque não estamos habituados aos silêncios. Lembro-me bem da confusão que me fazia as primeiras vezes que, em Angola e na Guiné-Bissau, se vinham sentar na varanda da casa só para estar. E depois de algum tempo, a harmonia que é esse silêncio, que nos liberta de banalidades. E a mesma experiência é vivida no Caminho, com longos momentos de silêncio e de contemplação, mesmo quando vamos com as pessoas que nos são próximas.
4. O Caminho ou a Missão não é um mar de rosas. Há momentos muito duros, porque entramos em contacto com o melhor, mas também com o pior de nós. Porque não ouvimos o que o nosso corpo pede e ficamos magoados ou doentes. E porque nos pomos objetivos e metas que não conseguimos atingir, porque não estamos abertos às tais surpresas que o Caminho ou a Missão nos apresenta e ao tal estar só.
5. Descobrimos que é possível viver bem com muito menos coisas. No Caminho descobrimos, literalmente, que há coisas que são um peso nas nossas costas. Na Missão descobrimos a liberdade de uma vida mais simples. Mas não caiamos na tentação do estereótipo “pobres mas felizes”. A ambição e a dignidade são humanas, não são ocidentais nem privilégio dos governantes.
6. No final sou eu que ganho e isso não tem mal nenhum! O ganho do Caminho e da Missão é meu, por isso não sou herói por tê-lo feito. Esse ganho é aprendizagem, é consciência, é crescimento, é abertura ao outro e ao mundo e por isso é proximidade com Deus. O que mais se pode querer?
“Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu” (Ecl 3, 1). Tenho-me prometido um Caminho de Santiago deste 2019. E porque é que ainda não o fiz? Até posso dizer que foi por razões (pandémicas) válidas ou porque não era o tempo, mas a verdade é foi também por minha vontade, porque me fui definindo outras prioridades e porque não me programei. Já o agendei e será ainda este 2021.
Se queres fazer o Caminho ou partir em Missão, o tempo de procurar e de agendar é agora!