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A realidade é mais importante do que a ideia (EG 231)

Este tempo de pandemia veio não só acelerar a consolidação de uma nova época da humanidade (EG, 52), como também nos permitiu fazer a síntese da cultura digital como «identidade onlife».

A realidade é mais importante do que a ideia (EG 231)
Pedro Guimarães, CM
16 de maio de 2021

O Dia Mundial das Comunicações Sociais – que a Igreja assinala desde 1967 e cuja celebração se vive no Domingo da Ascensão – tem como tema para este ano “«Vinde ver» (Jo 1, 46). Comunicar encontrando as pessoas como e onde estão”.

Partindo deste episódio bíblico em que Filipe comunica a Natanael que encontrou «Aquele sobre quem escreveram Moisés e os Profetas» (Jo 1, 45), dizendo-lhe «vem e verás!», o Papa recorda-nos que «a palavra só é eficaz, se se «vê», se te envolve numa experiência, num diálogo». E para isso, afirma, «é preciso gastar a sola dos sapatos». Este modelo de comunicação da Igreja primitiva que o Papa nos convida a redescobrir toca naquilo que podemos afirmar como um dos maiores desafios da Igreja para a pós-pandemia: a relação com a atual cultura digital.

Este tempo de pandemia veio não só acelerar a consolidação de uma nova época da humanidade (EG, 52), como também nos permitiu fazer a síntese da cultura digital como «identidade onlife». Luciano Floridi, no seu livro «The Fourth Revolution» (2014), afirma que a quarta revolução reside no facto como nos compreendemos a nós próprios a partir da tecnologia: já não nos percebemos e vivemos como ilhas, mas como organismos de informação, reciprocamente conectados a partir de um ambiente de informação (infoesfera), que partilham com outros agentes de informação, naturais e artificiais, e processam informações em modo lógico e autónomo (a primeira revolução foi com Copérnico, a segunda com Darwin e a terceira com Freud). Vivemos, assim, na sociedade da informação onde emerge uma nova forma de procurar o conhecimento e a verdade: pela correlação. Em qualquer campo da vida, as tecnologias de comunicação tornaram-se forças que estruturam o ambiente em que vivemos, criando e transformando a realidade. Portanto, não se trata de viver online ou offline, onde havia uma clara visão de lugares, linguagens e espaços de relação bem definidos entre o físico e digital, mas de perceber que há uma “naturalização” do digital no nosso quotidiano. Basta pensar em como a pandemia nos fez mudar as nossas conceções de casa, relações, comunidade, Igreja… em que o digital substituiu a presença para que a humanidade pudesse continuar a evoluir.

E nós, católicos, como nos colocamos diante desta revolução? Um olhar atento à comunicação do Papa Francisco (palavras e gestos), permite perceber que a resposta a este tema não é de ordem técnica, mas antropológica. Veja-se, por exemplo, o tema das suas Mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais e que poderíamos sintetizar nestes substantivos: encontro (2014), família (2015), misericórdia (2016), esperança (2017), verdade (2018), comunidade (219), memória (2020) e convite (2021). Reflexões que nos permitem perceber porque é que o episódio do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) é a imagem bíblica, por excelência, para o Papa Francisco definir a comunicação da Igreja. Portanto, a resposta passa necessariamente por “gastar a sola dos sapatos”, ou seja, ir ao encontro. Implica passar da perspetiva catequética para a perspetiva missionária: encontrar as pessoas como e onde estão. Para isso, é fundamental adquirir uma compreensão intrínseca do digital. Caso contrário, corremos um risco e perdemos uma oportunidade:

O risco da comunicação autorreferencial: a identidade católica nas redes sociais, por exemplo, pode ficar pela construção de uma comunidade fechada que transporta para o digital aquilo que vivia presencialmente. Sem o «vem e vê», o risco da desencarnação e, consequentemente, da relativização do rito e do sacramento, acomoda-nos à ideia de que basta o “clique” para cuidar da fé, do outro ou que a missão da Igreja se realiza com “uma evangelização de massas”, fundada em número de likes e de visualizações.

A oportunidade de escutar para ver: a atenção do católico que é capaz de ver para além do imediato e do habitual. É a oportunidade, mesmo no que toca à dimensão sócio caritativa, de renovar a atenção e o acolhimento. Acredito que este tempo de pandemia nos introduziu no ano da escuta. O boom de podcasts ou o nascimento da nova rede social Clubhouse, veio “dar voz ao ouvido” e chamar-nos a atenção para a importância de nos colocarmos a caminhar com o outro (Lc 24, 13-35). Quantas experiências de sofrimento, de solidão ou de superação não esperam ser ouvidas e, sobretudo, acolhidas com uma presença que interpele e permita descobrir o bom, o belo e o verdadeiro que há no ser humano, como imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26)?

Para que as nossas palavras não fiquem na nuvem, mas testemunhem Jesus, aceitemos o desafio do Papa Francisco, indo ao encontro das pessoas onde estão e como são.

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