Que não se calem os sinos
Poderá o toque do sino ser a voz do dono da casa a convidar-nos para entrar?
Carlos Ferreira
06 de novembro de 2024
Os sinos como elemento integrante de uma igreja, não são apenas um mero objeto acessório ou estético. Desde tempos imemoriais que o sino é o símbolo de união e, particularmente, de reunião. Na vida do cristão o sino acompanha-o nos momentos maiores da sua vida, no batizado, como símbolo de festa o sino toca alegremente a integração de um novo membro da família. No luto está também o sino anunciando o momento de levar à sepultura um irmão/ irmã que partir. Mas, é também o sino que no alto da torre, lança o convite a todos para o banquete da eucaristia. A nível civil o sino foi um regulador do tempo, marcando o ritmo de entrada e saída de casa, mas também, é através dele que o povo se mantem alerta em caso de perigo como o fogo.
Aquando da Implantação da República, a lei de separação do Estado e da Igreja, de 20 de abril de 1911, no seu artigo 59º, veio limitar a ação do sino na comunidade: “os toques dos sinos serão regulados pela autoridade administrativa municipal.” Se para uns dar-se-á a liberdade de não escutarem os sinos, para outros, irá impor-se a obrigatoriedade de viver o seu culto no silêncio vazio. Ao longo de todo o séc. XX, vai sendo alterada esta medida, no entanto, o toque do sino será cada vez mais limitado.
Os avanços do mundo industrial irão levar, também, à substituição da regulação dos horários, definidos pelos relógios e sinos das igrejas, passando a ser regulados pelas buzinas das fábricas. O movimento desregulado e desenfreado das cidades irá substituir-se ao toque do sino. Talvez nunca tenhamos pensado nisso, mas, poderá o sino ser visto como parte espiritual do culto? Poderá o toque do sino ser a voz do dono da casa a convidar-nos para entrar? Nas escrituras lemos que o Senhor passou por Elias, mas “não estava no vento”, “não estava no terramoto”, “não estava no fogo” estava na “ligeira brisa que passava”. Assim entendemos que não é nos grandes fenómenos que O encontramos, mas nos pequenos pormenores da vida do dia a dia. Mesmo que as cidades o calem, mesmo que o barulho ensurdecedor não nos faça ouvi-lo que esta brisa, que nos serve de convite não deixe que tocar e, mesmo que para tantos ele sirva apenas de acessório, não se calem os sinos!