Prevenir a corrupção: uma causa de todos
Cabe a todos nós, cidadãos ativos, o combate ao fenómeno da corrupção, impulsionando ações individuais e coletivas mais transparentes e justas. Ser cidadão de plenos direitos e deveres é, pois, assumir que a luta contra a corrupção é uma causa de todos e inadiável.
Maria da Luz Coelho
10 de maio de 2023
(…)
“Pode o vil interesse e sede immiga Do dinheiro, que a tudo nos obriga. (…)
Este rende munidas fortalezas; Faz trédoros e falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas; E entrega Capitães aos inimigos; Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos; Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências.”
Luís de Camões, Os Lusíadas - canto VIII, estâncias. 96 – 97
A Educação constitui-se como um pilar basilar do desenvolvimento e aprofundamento da cidadania de qualquer nação, sendo um motor de coesão social assente em princípios elementares como a liberdade, a responsabilidade, a justiça e o respeito. Cabe a todos nós, cidadãos ativos, o combate ao fenómeno da corrupção, impulsionando ações individuais e coletivas mais transparentes e justas. Ser cidadão de plenos direitos e deveres é, pois, assumir que a luta contra a corrupção é uma causa de todos e inadiável.
Como pessoas, ativa e civicamente conscientes, podíamos apresentar um discurso notável que veiculasse a perfeita compreensão do fenómeno, podíamos dissertar sobre as causas e as medidas dos vários governos para o seu combate. Contudo, porque almejamos uma sociedade mais igual e mais equilibrada, pretendemos apresentar o que, aos nossos olhos, são os pilares dessa mesma sociedade.
Na tradição democrática, procura-se garantir que as leis que regem um povo respeitem os usos e os costumes que o caracterizam. Assim, todos os conhecimentos mantidos ao longo da sua história são um valor incalculável que sustenta a própria identidade cultural. E são, também, uma referência positiva enquanto modelos de comportamento. A ética, se vivida ao nível pessoal, carece dessas redes de pertença de onde ressaltam os exemplos orientadores que nos motivam.
Apesar de não existir uma definição de corrupção comum em todos os países, entende- se que num comportamento corruptivo se verifica o abuso de um poder ou função públicos no sentido de beneficiar um terceiro, contra o pagamento de uma quantia ou qualquer outro tipo de vantagem. Num olhar atento pela história e pela literatura, verificamos que Luís de Camões refletiu n` Os Lusíadas sobre o poder de uma Circe que enfeitiça os mais distraídos e incautos, dizendo que o dinheiro, o poder “corrompe virginais purezas”.
É contra esses abusos que lutamos. É por uma sociedade boa que trabalhamos, por uma sociedade regida pela ética – a que se fundamenta no diálogo, a que procura equilíbrios, a que herda do passado as raízes com que se reinventa para remar de olhos postos no futuro. Na sociedade que desejamos, existe o bem-estar de todos. E todas as ações contam. Numa sociedade boa, “o mais justo descobre-se pelo diálogo” (Habermas). Numa sociedade justa não há lugar para a corrupção, para “o abuso de funções públicas ou privadas para seu benefício pessoal” (OCDE). Precisamos que o governo da res publica (a coisa pública) se sustente em princípios e ideais de comportamento público íntegro. É urgente a transparência e noção do dever. O respeito para connosco e para com os outros obriga a que esse caminho não esteja associado ao desejo do poder, do domínio, da riqueza, obriga a ter em mente a célebre citação de Sophia de Mello Breyner no seu poema “As pessoas sensíveis”:
“Ganharás o pão com o suor do teu rosto Assim nos foi imposto
E não:
Com o suor dos outros ganharás o pão.”
Acreditamos que a chave para esta mudança reside na Educação, é através dela que se diminuem as diferenças, se promove a cidadania e se anulam os vícios. Em larga medida, é a partir de referências positivas (pessoas, ideias, pensamentos, atitudes) que poderemos encontrar modelos a seguir, que promovam o autoconceito e a ideia do nosso lugar no mundo e que mundo queremos construir e deixar às gerações vindouras. Que qualidade de vida lhes queremos proporcionar? O mundo é a nossa casa, pelo que temos a obrigação de o proteger, de cuidar dele, de aceitar e ouvir as vozes que se insurgem contra verdadeiros atos de corrupção que o fraturam e dividem. Tudo muda demasiado rápido, mas ainda há tempo para sermos ativos. O único desígnio que queremos ver cumprido é o da integridade individual e, consequentemente, das sociedades que, a uma só voz, são capazes de criar equilíbrios e ideais.
Em 44 a.C, Cícero dizia “Não nascemos apenas para nós; o nosso país, os nossos amigos, reclamam uma parte de nós.”(in “De Officiis”). Esta é uma frase velha que urge relembrar nestes novos tempos, pois quem serve a causa pública tem a responsabilidade de saber que os seus atos são consequentes, definindo o rumo da própria Democracia.
A cedência a interesses pessoais e a complacência perante a “cunha”, que toda a gente parece aceitar como uma inevitabilidade e um modo de aceder a certas oportunidades, corrompe a democracia, desmoralizando as suas instituições, abrindo brechas para a ascensão de regimes não democráticos. Acreditamos que a integridade ética, imprescindível na causa pública, nasce da integridade individual que cada um vai construindo desde tenra idade. Neste sentido, a escola, além da família, cumpre um desígnio que deve estar no topo das suas prioridades. Importa que se eduque para que aqueles que um dia tratarão da nossa vida, não cedam à tentação de tratar, apenas, da sua vidinha.
Continuaremos a lutar pela Democracia!