O que nos pode(ria) dizer S. Tomás de Aquino sobre a atual conjuntura política
Pai de uma filosofia própria que tentou conciliar o pensamento aristotélico com cristianismo, Tomás de Aquino deixou uma marca indelével no campo teológico que, de resto, teve aplicação concreta no direito e no campo da atuação política estadual. Ao ser assim, o que nos pode(ria) dizer, hoje, São Tomás, sobre esta conjuntura política?
João Andrade Nunes
09 de fevereiro de 2022
No decorrer das últimas semanas, a maioria dos meios de comunicação social tem dado boa nota de dois factos políticos que se revestem de suma importância. Um, de ordem internacional; outro, de âmbito interno. Comecemos pelo primeiro.
No que respeita ao primeiro ponto, diariamente, tem sido noticiada uma iminente invasão da Ucrânia pela Rússia o que, a acontecer, potenciará um verdadeiro conflito internacional. Relativamente ao plano interno, no passado dia 30 de janeiro, também sob ameaça de uma crise política, económica e social, agravada pela situação pandémica vivida, os portugueses foram chamados às urnas para eleger uma nova configuração parlamentar da qual resultará, naturalmente, a formação de um novo Governo.
Por entre estes e outros acontecimentos, no dia 28 de janeiro, a Igreja Católica celebrou, de novo, a figura do Doctor Angelicus, homem verdadeiramente singular e, por isso, incontornável da história universal. Pai de uma filosofia própria que tentou conciliar o pensamento aristotélico com cristianismo, Tomás de Aquino deixou uma marca indelével no campo teológico que, de resto, teve aplicação concreta no direito e no campo da atuação política estadual. Ao ser assim, o que nos pode(ria) dizer, hoje, São Tomás, sobre esta conjuntura política?
Sobre o conflito diplomático entre Ucrânia e Rússia, seria bom recordar os ensinamentos tomistas sobre o conceito de “guerra justa”, o qual não tendo sido, naturalmente, por si criado, deveu-lhe, contudo, importante desenvolvimento.
Partindo dos ensinamentos de Santo Agostinho, segundo o qual o “pacifismo” intrínseco aos cristãos não seria contrário à defesa dos inocentes ou como meio de autodefesa, São Tomás desenvolveu-o e apontou três requisitos fundamentais para uma desejada convivência da espécie humana. À luz dos seus ensinamentos, em primeiro lugar, a guerra só deveria ocorrer por uma causa boa e justa, e nunca pela procura de riqueza ou poder. Em segundo, a guerra justa deveria ser declarada por uma autoridade legalmente instituída. Por fim, e claramente o mais importante, defende São Tomás que deve haver sempre “reta intenção”, de modo a que o bem seja promovido e o mal evitado.
Finalmente, no que respeita à conjuntura política interna, também na iminência da formação de um novo Governo, os ensinamentos de São Tomás devem estar em cima da mesa. Em rigor, diferentemente de Santo Agostinho, o qual mostrara um certo pessimismo sobre a natureza do Homem, Tomás de Aquino, defendendo um sadio otimismo, relevou que o “pecado original” não destrói a capacidade humana de conhecer e praticar o bem. Ora, não sendo o ser humano mau por natureza, mas potencialmente bom por intermédio da graça divina, a figura do “Estado”, ao contrário de ser entendida como instrumento de repressão dos criminosos, deverá ser inteligida como uma comunidade de homens e mulheres bem-intencionados com os quais Deus conta para orientar os destinos dos reinos e nações.
Resta-nos a esperança de que governantes de todo mundo sejam, de facto, pessoas retas e preocupadas com a res publica, aos quais o pensamento de São Tomás não seja totalmente alheio...