top of page

Debaixo da tua janela: Miró, Calder, Grossman, Rabah

Dois amigos, um palestiniano e um israelita traziam para uma mesma sala vários amigos para dialogar juntos, para falar, para discutir, para reinventar com palavras – e penso se não seria melhor se o universo fosse feito de diálogo e de escuta ativa?

Debaixo da tua janela: Miró, Calder, Grossman, Rabah

Francisca Gigante

06 de dezembro de 2023

Voltei à Casa de Serralves. À casa singular que se guarda do lado esquerdo de quem se embala nos jardins. Se visitaram estes jardins com certeza que já passaram por este lugar extraordinário cor rosa dos anos 1930, em Art Déco. As linhas quadradas de uma antiga residência privada intervencionadas por Marques da Silva, Charles Siclis, Jacques Émile Ruhlmann, René Lalique e Edgar Brandt enquadram um parque formal de arbustos e pequenos lagos ao seu redor.

A casa foi habitada durante alguns anos por Carlos Alberto Cabral, segundo Conde de Vizela, e Blanche Daubin, nos anos 1940, mas, por obra do acaso, o Estado Português adquiriu a propriedade e aí instalou um museu de arte moderna e contemporânea em 1987. Foi casa de artes até 1999, ano em que abre o novo Museu de Arte Contemporânea de Serralves, desenhado pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira. Atualmente, continua a ser casa para exposições e projetos de artistas integrados na programação de Serralves.
Hagit Grossman é poeta israelita que vive em Tel Aviv. Escreveu em 2016 o poema On Friendship que começa assim: “Se um amigo te chamar tarde à noite por debaixo da tua janela / Nunca o mandes embora. E se o mandares embora e mesmo assim / Insistires em regras rígidas, recupera a tua compostura após um momento / E corre para a janela e grita o seu nome: 'Vem, Merhav! / Volta! Tenho milho a cozer! Vem comer qualquer coisa.’ (…)” (traduzido pela autora).

Um dos nomes palestinianos mais reconhecidos no mundo da arte contemporânea é Khalil Rabah, nascido em Jerusalém em 1961, que se centra em temas de identidade, migração, história e memória. Uma das suas obras que nunca me saiu da cabeça é Grounding (2022), uma instalação no deserto na Arábia Saudita, onde explorou a ideia de miragem e de oásis inspirando-se nos princípios de Land Art. Cria um olival em forma circular. As oliveiras erguem-se no deserto como seres vivos deslocadas da sua terra, desejosas de serem repatriadas. Revolvendo na exploração do território, na sua própria sobrevivência e direitos de cidadania, o artista coloca-se na pele destas árvores de folha perene.

Regresso à Casa onde encontro as obras dos amigos Joan Miró e Alexander Calder. A exposição organizada pela Fundação de Serralves, em colaboração com a Fundació Joan Miró, em Barcelona, tem como título Joan Miró / Alexander Calder: Espaço em Movimento. Até parece que os consigo ver no dia em que se conheceram em Paris, em 1928. Trabalharam em projetos e exposições juntos, e apresentam uma afinidade tal, que é impossível não olhar para as obras de ambos e não sorrir. Miró trabalha na sua pintura várias constelações que, em variados momentos, (re)aparecem nos móbiles escultóricos em arame torcido de Calder como “abstrações vivas”. A espacialidade abstrata que retratam apresenta muitas vezes figuras em linhas simples e todo um sistema de universo, com planetas, estrelas e cometas pintados ou formados com diferentes cores e temperaturas intercaladas pela expansão que impõem ao traço.

Reflito sobre a pequena homenagem em forma de poesia que Miró deixou a Calder no dia da sua morte: “(...) As tuas cinzas foram espalhadas pelo jardim / As tuas cinzas flutuarão em direção ao céu. (...)”. Fez-me lembrar um trecho do Documentary Podcast da BBC que escutei há umas semanas no aeroporto que me levava a Veneza. Dois amigos, um palestiniano e um israelita traziam para uma mesma sala vários amigos para dialogar juntos, para falar, para discutir, para reinventar com palavras – e penso se não seria melhor se o universo fosse feito de diálogo e de escuta ativa?

“(...) Uma cerveja gelada. Ainda não te apercebeste / Que este é um momento sublime na tua vida. / Um dos mais sublimes que alguma vez conhecerás.” (traduzido pela autora). É como termina o poema de Grossman, acima citado. Será que Rabah e Grossman ainda poderão travar amizade? Quero acreditar que sim.

Mesa Redonda 
Missão onlife:
Cultura
Sociedade
Casa Comum
Missão
bottom of page