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Algo que se encontra - Parte II

Será despertar a profundidade aquilo que a arte procura, porque a arte cria as condições necessárias para uma experiência mais profunda da vida.

Algo que se encontra - Parte II

Carolina Serrano

05 de outubro de 2022

A vida pode tornar-se uma demanda para obter respostas, para colher certezas. Para nós, seres constantemente mergulhados na dúvida, o ‘alívio das certezas’ é muitas vezes aquele que nos consola e, ao mesmo tempo, aquele que nos deixa conformar com as respostas que, ao longo dos tempos, se foram tornando convencionais. Contudo, as respostas nem sempre são o mais importante. Se, por vezes elucidativas, por vezes também estimulam a estagnação, tal qual um caso arquivado, que datado e numerado, fica, mais tarde, fechado e arrumado na estante. A arte ‘verdadeira’, por sua vez, não pretende oferecer-nos respostas, ela pretende fazer-nos duvidar de novo. Com a inquietante dúvida – essa sentença do nascimento – o pensamento pode ser despertado. É-lhe dado oportunidade para viajar para terrenos inexplorados, cujos limites perimétricos não se encontram assinalados. As grandes perguntas fazem-nos pensar em coisas íntimas, ‘desvirginar’ lugares interiores, colocar ‘marcos’ no topo de ‘montanhas’. Precisamente por este motivo, a arte ‘verdadeira’ inquieta. Ao exigir-nos uma certa “re-deslocação”, essas perguntas fundamentais, tão grandes que, por vezes, nos abarrotam, fomentam o confronto connosco mesmos. Esse encontro é, por vezes, o mais difícil de entre todos, e por exigir-nos tanto, por nos desconcertar, preferimos geralmente abafar essas grandes perguntas com práticas de entretenimento, ou com as tarefas que, quase impossibilitados de esquecer, nos ocupam os dias. Por esse motivo, muitas vezes, a ‘melhor’ arte é desconsiderada pelo público em geral, porque existe uma certa dessincronização com a interioridade e uma vontade de permanência numa zona de aparente tranquilidade.

Aquilo que se espera de um artista é uma grande verdade interior. Ser também capaz de chegar a dimensões invisíveis, submersas, e trazê-las à tona – não sem antes se precipitar bem fundo nesse mar.

A arte ‘verdadeira’ oferece-nos uma certa distância, uma resistência; ela dá-nos espaço, não respostas. Por um lado, é de certo modo fria, pois não consola. Consegue magoar até, porque nos confronta com a nossa imperfeição, com a nossa condição de seres decaídos, sofredores. Contudo, talvez seja, precisamente, através do reconhecimento dessa ‘grande ferida’ que finalmente nos consigamos pôr presentes. Talvez, só o confronto com a ferida permita o desvelar de nós. Será despertar a profundidade aquilo que a arte procura, porque a arte cria as condições necessárias para uma experiência mais profunda da vida. Tal como Jean Genet afirmou, “na origem da beleza está unicamente a ferida” , e a arte parece tocar nessa ferida, torná-la ciente para que a possa ‘iluminar’.

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