O Verbo, que encontrou morada no seio virginal de Maria, na celebração do Natal vem bater novamente à porta do coração de cada cristão: passa e bate à nossa porta. Cada um de nós é chamado a responder, como Maria, com um «sim» pessoal e sincero, colocando-se plenamente à disposição de Deus e da sua misericórdia, do seu amor.
IV Domingo de Advento
Ouvidos os acordes gregorianos do Rorate Coeli eis que olhamos hoje para duas personalidades fundamentais que a liturgia do Advento nos apresenta no 4º domingo do ano B: o rei David e Maria, a virgem desposada com José.
O percurso de David, escolhido entre os filhos de Jessé de Belém é o de um “homem segundo o coração de Deus” (1 Sam 13,14). Ser um homem segundo o coração de Deus significa ser uma pessoa comprometida com a vontade e os propósitos do Senhor. Isso não quer dizer que ele era alguém sem defeitos; pelo contrário, na Bíblia muito se afirma a natureza pecaminosa de David. Ele próprio, em vários dos seus salmos (nomeadamente o salmo 50), reconhece a miséria de seu pecado.
Ser um “homem segundo o coração de Deus” não é resultado de méritos próprios, mas da graça de Deus, porque ele agia de acordo com a vontade de Deus. Ser um “homem segundo o coração de Deus” é entender que a vontade divina prevalece sobre a vontade dos homens; e isso inclui a nossa própria vontade. David dizia que não andava à procura de grandes coisas ou de maravilhosas realizações pessoais; mas que esperava no Senhor e descansava nele como um filho descansa nos braços de sua mãe (cf. Salmo 131).
Ser um “homem segundo o coração de Deus” é crer na soberania absoluta do Senhor sobre todas as coisas. É confiar em Deus em toda e qualquer circunstância. Enquanto fugia da revolta de Absalão, David dizia: “Deito-me e pego no sono; acordo, porque o Senhor me sustenta” (Salmo 3,5). No Salmo 139, por exemplo, o salmista reconhece a sua limitação diante da soberania e da grandiosidade de Deus. Por isso ele ora para que Deus o examine e avalie se há nele algo que ofende ao Senhor; pois ele quer ser conduzido pelo caminho eterno (Salmo 139, 23-24). Os homens e mulheres segundo o coração de Deus são aqueles que são sondados, corrigidos, instruídos e guiados pelo Senhor.
David, vendo aproximar-se o fim dos seus dias – e talvez com alguns remorsos – manda chamar um dos seus conselheiros, o profeta Natã e, diz-lhe que tem vontade de construir um uma Casa, um Templo para o Senhor. Natã diz-lhe que é um santo propósito e incentiva-o a realizar o que pensa. No entanto, à noite o Senhor diz a Natã que não será David a construir-lhe o Templo, mas sim um filho seu: não será David a construir uma casa para o Senhor, mas o Senhor que irá consolidar a Casa de David. Trata-se da “Aliança davídica”, que constitui a família de David como depositária das promessas divinas e garantia de um futuro de estabilidade, de segurança, de paz para o Povo de Deus. Para além de uma relação especial entre o Senhor e os descendentes de David, afirma-se uma presença de Jahwéh – que cuidará e conduzirá o seu povo – ao longo da história, na prosperidade, na paz e na justiça e, fundamentalmente garante uma realeza eterna, que não terá fim.
A promessa de Deus a David concretiza-se no esperado Messias, em Jesus... Ele é esse “rei” da descendência de David que Deus enviou ao nosso encontro para nos apontar o caminho para o reino da justiça, da paz, do amor e da felicidade sem fim.
Perante isto o Salmista (Sl 88) pode cantar eternamente as misericórdias do Senhor, porque há uma aliança irrevogável.
Na segunda leitura, o Apóstolo Paulo escreve que o amor de Deus pelos seus filhos faz parte do projecto salvífico de Deus revelado em Jesus Cristo. Esta constatação deve encher de alegria, de esperança e também de gratidão os nossos corações.
No Evangelho fixemos o olhar nesta jovem simples de Nazaré, no momento em que se torna disponível à mensagem divina com o seu “sim – fiat voluntas tua”; vejamos dois aspectos essenciais da sua atitude, que para nós é modelo do modo como nos devemos preparar para o Natal: a sua atitude de fé e a sua capacidade de reconhecer o tempo de Deus.
Maria não se prende na admiração do Anjo, mas na escuta da Palavra, da mensagem de Deus que lhe é comunicada por Gabriel. Maria é aquela que tornou possível a encarnação do Filho de Deus, “a revelação do mistério, conservado em segredo durante séculos” (Rm 16, 25). Ela tornou possível a encarnação do Verbo, precisamente graças ao seu «sim» humilde e intrépido. Ela a Virgem filha de Sião, a desposada com José, a humilde Serva do Senhor aceitou ser a morada do Verbo de Deus.
O Verbo, que encontrou morada no seio virginal de Maria, na celebração do Natal vem bater novamente à porta do coração de cada cristão: passa e bate à nossa porta. Cada um de nós é chamado a responder, como Maria, com um «sim» pessoal e sincero, colocando-se plenamente à disposição de Deus e da sua misericórdia, do seu amor.
Este ano que tem sido tão desafiante para o mundo e, para os cristãos em particular, é uma oportunidade excelente para nos comprometermos com o que é essencial. Todos sabemos que as luzes comerciais das festas natalícias, nos ferem os olhos, prendendo-os a coisas tantas vezes supérfluas. Em nome da paz e harmonia, da fraternidade e do amor universal que Cristo nos veio trazer há uma fixação exagerada nas coisas materiais, que nos “prendem” e nos tornam escravos em vez de servos. Neste ano, com mesas e presenças reduzidas ouviremos mais o silêncio e, como Maria e José, seremos mais capazes de escutar a voz de Deus que nos fala e interpela. Somos convidados a olhar “o mistério” escondido aos olhos do mundo e a percebê-lo aos olhos da fé e da esperança de um Tempo novo onde Deus habite. Ele quer fazer morada dentro de cada um nós para sermos mais habitação de Deus e Templos de Oração.
Ao vivenciarmos Deus, não O queremos “fechar” em nós. Importa que O demos a conhecer e O anunciemos como fonte de alegria, sabendo cantar as suas maravilhas e construindo pontes de diálogo e de fraternidade, de amor e entre-ajuda, de partilha e de consolo na esperança.