A atitude de Jesus, narrada no Evangelho de hoje, exorta-nos a levar a nossa vida não à procura de benefícios ou interesses pessoais, mas a glória de Deus, que é o amor. Somos chamados a ter sempre presentes aquelas palavras incisivas de Jesus: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio!” (v. 16)
III Domingo da Quaresma
O Evangelho de hoje apresenta, na versão de João, o episódio em que Jesus expulsa os vendilhões do Templo de Jerusalém (cf. Jo. 2, 13-25). Fez um chicote de cordas e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois; deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou-lhes as mesas e disse aos que vendiam pombas: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio”. Esta ação decidida, realizada na proximidade da Páscoa, causou uma grande impressão na multidão, e a hostilidade das autoridades religiosas e de quantos se sentiram ameaçados nos seus interesses económicos. Mas, como devemos interpretá-la? Para muitos, esta atitude de Jesus nem parece d’Ele. Como é que o mesmo Jesus, que diz: “ Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração e, depois, O vemos “ irado” a expulsar os vendedores do Templo? Sem dúvida não era uma ação violenta, a tal ponto que não provocou a intervenção dos defensores da ordem pública. Mas foi entendida como uma ação típica dos profetas, que, muitas vezes, em nome de Deus, denunciavam abusos e excessos. A questão que se apresentou era a da autoridade. Com efeito, os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?” (v. 18). Por outras palavras: Que autoridade tens para fazer estas coisas? Como se exigissem a demonstração de que Ele agia verdadeiramente em nome de Deus.
Talvez não valha a pena explorar esta “ira” de Jesus, porque, no Evangelho de São João, o importante não são os acontecimentos em si, mas aquilo que eles significam e querem transmitir. Por isso, mais do que saber se foi ou não um acontecimento histórico, podemos, sim, interpretá-lo como um sinal (o Evangelho de João é o Evangelho dos sinais). E a primeira ideia que o Evangelho parece querer transmitir é que Jesus, o Cordeiro de Deus, como O chamou João Batista, vem purificar o Templo. Esta purificação, também ela messiânica, tem ainda um outro alcance presente no discurso de Jesus: é que Ele é o Templo do Pai, Ele é o verdadeiro Templo, anunciado pelos profetas. É isso: “O novo templo é o próprio Jesus”. Sobre Ele repousa o Espírito de Deus, como ouvimos no domingo passado acerca do mistério da Transfiguração. Aqui começa a grande questão entre Jesus e o Templo, que será um dos motivos da sua condenação à morte. Este homem disse: “Destruí este templo e em três dias o levantarei”. Disseram os judeus: “Foram precisos quarenta e seis anos para se construir este templo, e Tu vais levantá-lo em três dias?”. Jesus, porém, falava do templo do seu corpo. Na verdade, com a Páscoa de Jesus tem início o novo culto, o culto do amor, “da proximidade, compaixão e ternura”, e o novo templo é Ele mesmo.
A atitude de Jesus, narrada no Evangelho de hoje, exorta-nos a levar a nossa vida não à procura de benefícios ou interesses pessoais, mas a glória de Deus, que é o amor. Somos chamados a ter sempre presentes aquelas palavras incisivas de Jesus: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio!” (v. 16). De facto, é muito desagradável quando a Igreja cai na atitude de transformar a casa de Deus num mercado. Estas palavras ajudam-nos a afastar o perigo de fazer também de nós próprios, templos de Deus, um lugar de mercado, vivendo continuamente em busca de interesses próprios (uma religião interesseira!...), e não duma “fé sincera, uma esperança viva e uma caridade operosa”, sobretudo neste tempo de pandemia. E como é importante estar atentos aos desafios e sinais, que vemos à nossa volta, hoje e aqui!...
Jesus não estava contra o Templo. Pelo contrário, até o respeitava. Segundo os Evangelhos, Jesus ensinava no Templo todos os dias. Além disso, Ele não expulsa as pessoas do Templo, mas, isso sim, os comerciantes e os animais…Se Jesus está contra alguma coisa, é contra o vazio da fé, a rotina de rituais e duma religião, por vezes, tradicional e sem vida… Deus não precisa que Lhe sacrifiquemos animais; não precisa de esmolas; não quer negócios.... É gratuito, dá-Se e deu-nos o Seu próprio filho Jesus. Há-de preferir, sempre e mais, o nosso coração, a proximidade e dedicação aos outros, preferencialmente os mais desfavorecidos, ao jeito de Vicente de Paulo, com um “amor inventivo até ao infinito.” E por isso Jesus falou do Templo que era o seu corpo. Também nós somos o Templo de Deus, como mais tarde veio dizer São Paulo. Parece ser esta a interpretação do gesto profético de Jesus no Templo, uma relação com Deus verdadeira, humana e comprometida. Nesse sentido, podemos interpretar os Dez Mandamentos, que escutámos na primeira leitura: eles não são para nos escravizar, mas favorecer as relações com Deus e com o próximo. São como que “balizas” para nossa orientação na vivência duma fé professada, celebrada e vivida.
As leituras da Palavra de Deus de hoje ajudam-nos, pois, a preparar a Páscoa. Elas apontam-nos para a Morte e Ressurreição do Senhor Jesus, não como momento de vergonha, derrota, mas de glória, Ressurreição e Vida Nova. Isso mesmo nos diz São Paulo, na segunda leitura: “Jesus crucificado é escândalo para os judeus e loucura para os gentios; mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder e sabedoria de Deus” (1Cor. 1, 25). Na verdade, a cruz foi e há-de ser sempre um sinal de contradição, um sinal MAIS, porque na cruz de Cristo vemos a cruz da nossa própria vida.
“Que a Virgem Maria nos ampare no compromisso de fazer da Quaresma uma ocasião propícia para reconhecer Deus como único Senhor da nossa vida, tirando do nosso coração e das nossas obras todas as formas de idolatria.” Que no caminho para a Páscoa também a nossa vida seja purificada para podermos ser verdadeiros templos de Deus: “O templo de Deus é santo, e vós sois esse templo” (Orar cantando, pág. 192).