O tempo não é circular mas linear, não é circulo que aprisiona, mas caminho que liberta. As celebrações litúrgicas, embora celebradas todos anos, e aparentemente iguais, assinalam etapas do caminho que a Igreja, Povo de Deus, e cada um dos seus membros vai fazendo. É este o convite do Pe. Alves para meditar neste I Domingo de Advento.
I Domingo de Advento
Ouvimos dizer, durante esta semana, que terminava um ano e começava outro; que entrávamos no Advento… Haveria Natal… Depois, Quaresma e Páscoa…..Nada de novo! Desde a infância que estes conceitos e acontecimentos enchem o baú da nossa memória e fantasia. Isto pode induzir-nos, erradamente, a pensar que o tempo é um eterno retorno, um círculo fechado, semelhante à conceção clássica, grega e latina, do tempo, enredando o homem nas suas próprias malhas, impedindo-o de progredir e de se libertar.
Todavia, a conceção cristã é bem diferente. O tempo não é circular mas linear, não é circulo que aprisiona, mas caminho que liberta. As celebrações litúrgicas, embora celebradas todos anos, e aparentemente iguais, assinalam etapas do caminho que a Igreja, Povo de Deus, e cada um dos seus membros vai fazendo. Jesus, no seu diálogo com Tomé, foi–lhe dizendo que para conhecer o Pai, é preciso fazer caminho com Ele. E esta ideia de “caminho” ficou tão arreigada como marca do cristianismo, que é com esta denominação que a ele se referem os textos do novo Testamento: “Áquila e Priscila explicam melhor a Apolo o Caminho de Deus (Act.XVIII,26); Saulo recebe cartas para prender todos os que pertenciam a este “Caminho”, (Act.IX,2); Felix, bem informado sobre o Caminho, adiou o julgamento (Act.XXIV,22).
E os textos litúrgicos deste 1º Domingo do Advento apresentam-nos as atitudes fundamentais com que se deve fazer este “Caminho”:
1. Olhar a vida, a história pessoal e a vida da sociedade, para além das capacidades profissionais de cada um, de forma contemplativa. A vida expurgada desta dimensão de mistério, perde a ousadia da busca e a frescura da descoberta, nunca acabada. A contemplação do mistério acicata-nos permanentemente a ir mais longe. Ao enigma procura-se solução e ele desaparece; o mistério aprofunda-se e ele adensa-se.
Neste exercício de contemplação do mistério de Deus, há desabafos: “porque nos deixais, Senhor”; há nostalgia de experiências vividas passadas: ”Nunca os ouvidos escutaram nem os olhos viram que um Deus, além de Vós, fizesse tanto em favor daqueles que n’Ele esperam”; há lugar para a confissão humilde: “pecámos e há muito que somos rebeldes”, "as nossa faltas nos levavam como o vento”; há súplicas para que Deus se manifeste, mas também a confissão de que quando Ele vem nem sempre se sabem ler os sinais da sua vinda e da Sua presença: "Oh se rasgásseis os céus e descêsseis! Mas vós descestes... há muito que somos rebeldes.”
Numa palavra, neste exercício de contemplação dos caminhos de Deus e da Sua vinda a cruzar-se com os caminhos dos homens há lugar para a expressão de todos os sentimentos humanos (súplica, lamentação, confissão, saudade..) desde que tudo conduza a confessar a paternidade amorosa de Deus e o reconhecimento humilde do homem da sua dependência : “Vós, Senhor, sois nosso Pai e nós o barro de que sois o Oleiro; somos todos obra das vossas mãos”.
2. A segunda atitude que deve acompanhar o nosso caminhar é a responsabilidade. O que parece irritar muito as pessoas de hoje é a irresponsabilidade. Desperta críticas e, por vezes, clamores e gritos de condenação. Fruto da imaturidade mas também da nossa cultura de “descarte,” o texto da parábola evangélica diz: “deu plenos poderes aos seus servos, atribuindo a cada um a sua tarefa”. Foi-lhes atribuída responsabilidade. Por ela, serão avaliados. Desta responsabilidade decorrem naturalmente duas outras atitudes: a vigilância e a precaução.
A nossa sociedade é muito marcada pela euforia alimentada pelas notícias do facilitismo, de que tudo vai correr bem, de que nada tem consequências negativas. Cria-se, assim, a convicção de que talvez não seja preciso pensar muito; outros pensam por nós; até já nos dizem o que vai acontecer e o resultado até. Perde-se a capacidade crítica que resulta da vigilância e da cautela que o Senhor recomenda no Evangelho.
Isto é particularmente importante na gestão dos sentimentos; nas relações que se criam e no modo como se desenvolvem; no sentido que se procura imprimir à vida. Corre-se, hoje, o risco de entrar numa certa letargia ou sonolência censurada na parte final do evangelho: ”não se dê o caso que, vindo inesperadamente, vos encontre a dormir; o que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai”.
Esta recomendação de Jesus marcou bem o anúncio da mensagem cristã da primeira geração. Paulo não se cansava de insistir com as suas comunidades: "Não durmamos, como os outros, mas permaneçamos vigilantes e sóbrios” (1ªTes V,6); "é hora de despertarmos do sono" (R. XIII,11-14). Esta mentalidade de desatenção da vida, de gozo da vida de forma fácil e leviana acompanha o ser humano; não é nova. Novidade é a mensagem de Jesus. Apresenta aos seus discípulos uma nova conceção de vida, uma outra forma de estar nela, de a construir de a edificar, de a cultivar, de lhe dar sentido de modo que ela não passe, não se gaste nem se desperdice de forma errática e infrutífera.
3. E a grande motivação está na 2ª leitura. Nós não seguimos uma ideia com que esperemos encontrar-nos. A nossa esperança é o encontro com o Senhor Jesus glorificado, em comunhão com o qual esperamos viver e participar da sua glorificação. Esta é a nossa vocação. Isto é que dá sentido ao nosso caminho. É esta certeza que nos norteia. A força para o conseguir vem-nos da fé e da certeza com que Paulo nos escreve: “a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo, não falta nenhum dom da graça; Ele vos tornará firmes até ao fim”. É apoiados nesta Palavra do Senhor que iniciamos esta caminhada de Advento e nos dirigimos para o objetivo final: “a comunhão com o Seu Filho Jesus Cristo à qual fomos chamados”. Tarefa trabalhosa mas para a qual “não nos falta nenhum dom da graça”.