Ter e ser. Dois verbos que funcionam como organizadores de uma história. Hoje, os homens tecem os acontecimentos motivados pela sempre incontida vontade de ter. Ter cada vez mais. O importante é acumular, ganhar, enriquecer, ter mais e mais.
Domingo XXXII do Tempo Comum
A lição da viúva: apenas umas sobras?
Podemos facilmente imaginar o cenário: a entrada no templo dos homens ricos, visivelmente ricos, e o surgimento discreto, quase impercetível de uma pobre mulher, uma pobre viúva. Imaginamos o tilintar das valiosas moedas no cofre e o silêncio na dádiva de uma sem voz. Gestos assimétricos. Atitudes díspares. Refletem dois modos de estar no mundo. Uns vivem para ter e, por isso, observa o Mestre, «apenas dão as sobras». Outros, como a esfarrapada viúva, querem ser e, sem medir as consequências, oferecem tudo o que possuem.
Ter e ser. Dois verbos que funcionam como organizadores de uma história. Hoje, os homens tecem os acontecimentos motivados pela sempre incontida vontade de ter. Ter cada vez mais. O importante é acumular, ganhar, enriquecer, ter mais e mais. Os ídolos deste mundo são os mais ricos. São homens venerados por uma multidão de gananciosos fãs, tristes fãs. Não importa como enriqueceram, se à custa de outros, explorando-os até à morte. Não importa que tenham vendido a alma ao príncipe deste mundo. Eles são poderosos. Num estalar de dedos, têm um exército de seguidores dispostos a sacrificar a vida por eles. O importante é ter. E para que eles tenham cada vez mais, é preciso que outros não tenham o indispensável. São as viúvas sem direitos. A petulância dos senhores deste mundo não tem limites. Chegam ao extremo de pensar que, por deixarem umas valiosas moedas num templo, por patrocinar a festa do santo ou por oferecer o almoço ao senhor prior e às senhoras da igreja, também enganam a Deus.
Em contrapartida, o ser remete para a cultura da solidariedade e da partilha fraterna. O Ser autêntico expressa-se em gestos de inesperada generosidade, motivados não pela culpa ou pelo desejo de sobressair, mas pelo amor e pela alegria em partilhar. O ser pressupõe uma identidade segura nascida de uma relação de confiança com Deus. O cuidado com o ser valoriza o que é gratuito e ocupa-se dos outros.
O famoso psicanalista E. Fromm analisa a dicotomia ter e ser, sem a restringir à gestão das coisas materiais. Pensemos no nosso tempo. Quais são as nossas prioridades? Que disponibilidade temos para Deus? Damos-lhe tempo, disponibilizando-nos para cumprir a sua vontade, «todos os dias da nossa vida? Queremos ser efetivamente discípulos missionários ou apenas oferecemos umas sobras do nosso tempo, quando já não há mais nada para fazer ou, quando precisamos de alguma coisa em troca?
Jesus valoriza o gesto da viúva. É com ela que os discípulos devem aprender a ser. S. Vicente de Paulo repete-o, no seu tempo: os pobres evangelizam-nos.