Quando Jesus é confrontado pelo escriba sobre qual dos mandamentos é o maior, Jesus sintetiza a megalómana lei judaica com os seus muitos e muitos preceitos em um de dois mandamentos: Amar a Deus e Amar ao próximo.
Domingo XXXI do Tempo Comum
Ama e Escuta… Escuta e Ama
Todos conhecemos a celebre canção do cantor Marco Paulo: “Eu tenho dois Amores que em nada são iguais, mas não tenho a certeza de qual eu gosto mais (…)”. O Evangelho deste domingo pode ser identificado com esta música. Quando Jesus é confrontado pelo escriba sobre qual dos mandamentos é o maior, Jesus sintetiza a megalómana lei judaica com os seus muitos e muitos preceitos em um de dois mandamentos: Amar a Deus e Amar ao próximo.
Para Jesus, o primeiro mandamento divide-se em dois, não é que sejam algo divisível. Para Jesus, o primeiro mandamento são estes dois amores entrelaçados: amar a Deus e amar ao próximo. A grandeza de um cristão consiste em manter estas duas dimensões numa única realidade. Para muitos, amar a Deus significa estar longe dos homens e, para outros, os homens são mais importantes que Deus.
São Vicente de Paulo, o nosso fundador, tinha muito presente esta realidade quando afirma: “Não me basta amar a Deus, se o meu próximo também não o ama”. Portanto, não podemos dizer que amamos a Deus se o nosso irmão é desprezado e maltratado. Não podemos dizer que amamos a Deus se não somos capazes de estabelecer comunhão e diálogo entre todos. A medida do Amor de Deus é provada no amor ao próximo. Mostra-me o quanto amas o outro, que eu dir-te-ei quanto amas a Deus.
Se esta união intrínseca não existe e estes dois amores se separam, podemos cair no terreno da mentira, podemos cair na idolatria, ou seja, adorar aos homens e não a Deus e até mesmo na mentira e na falsidade. Na verdade, se dissermos que amamos a Deus e não nos importarmos com as condições laborais dos nossos irmãos, se não somos capazes de sofrer com os que sofrem, de não sermos capazes de lutar contra a opressão e as injustiças, em que Deus acreditamos? Talvez porque criamos um Deus à nossa medida, na medida daquilo em que acreditamos. Do mesmo modo, quando dizemos que amamos o próximo e o servimos, mas recusamo-nos a entregar totalmente a Deus, podemos cair nas mãos dos ídolos e, tal como diz o Papa Francisco, de olharmos a fé como uma ONG, para não dizer coisas bem piores.
Estes dois amores são inseparáveis, mas não são iguais. Amar a Deus requer a totalidade de nós mesmos: com todo o nosso coração, com toda a nossa a nossa alma, com toda a inteligência e com toda a nossas forças. Este amor é um amor total. Deus não nos quer apenas pela metade. Não nos quer aos pedacinhos. Só chegamos a Deus com tudo aquilo que temos e somos. A medida do Amor é amar sem medida.
Depois de percebermos o que é um amor entrançado, partilho um pequeno testemunho que, creio, pode ajudar a perceber outra particularidade do Amor que é a escuta.
Em certa ocasião, perguntei a Deus o que desejava dizer-me ou pedir-me. Era um momento de ardente fervor no qual me sentia preparado para escutar qualquer coisa. Num momento de tranquila escuta, ouvi interiormente as seguintes palavras: “amo-te”. Senti-me dececionado, pois já o sabia! Mas Ele veio a mim de novo com essas mesmas palavras. E, de repente, dei-me conta, com muita clareza, de que nunca tinha aceitado e interiorizado o amor de Deus por mim. Nesse instante cheio de graça, vi que eu sabia que Deus tinha sido paciente comigo e me tinha perdoado muitas vezes. Mas assombrei-me por não ter aberto nunca a realidade do Seu amor. Lentamente caí em mim e vi que Deus tinha razão. Nunca tinha escutado realmente a sua mensagem de Amor. Quando Deus fala, sempre haverá algo surpreendente, distinto e duradouro.
É nesta escuta da vontade de Deus, neste escuta Israel, João, Maria, António… que somos chamados a viver esta vida nova em Deus. É nesta escuta permanente da sua vontade que somos capazes de responder a este amor e, se alguma dúvida tivermos, se parecer que essa voz não soa, lembremo-nos então da música do Marco Paulo e dos dois amores que Deus tem para nos dar. É como podem ver: até numa música comum Deus nos pode trazer lições excecionais.
Que o Senhor da Vida nos ajude a escutar para amar e amar para servir os irmãos e a Deus.