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XXIX Domingo do Tempo Comum

No Dia Mundial das Missões, a Palavra de Deus convida-nos, a partir do Evangelho, a saber «dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». É sobre este "alerta" de Jesus que o Pe. Fernando Soares nos apresenta a sua reflexão.

Caríssimos irmãos e irmãs, a frase com que termina o evangelho neste 29º domingo do tempo comum, resume perfeitamente a Liturgia da Palavra e, embora nem sempre bem invocada, lá se foi entranhando na nossa cultura, nomeadamente, para justificar a laicidade do estado e a separação de âmbitos de atuação. E, se bem entendida, podemos dizer que é das frases mais radicais, mais revolucionárias… um verdadeiro manifesto missionário, que enquadra bem este dia mundial das missões.

Olhemos uma vez mais para o texto e o contexto (Mt 22, 15-21). No átrio dos gentios, os inimigos de Jesus prepararam, de forma estudada e matreira, uma armadilha. Primeiro elogiam-no e, mesmo fazendo-o hipocritamente, sublinham bem a grandeza de caráter de Jesus: «Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes aceção de pessoas.» Que belo elogio! Mas, eis que vem a armadilha: «É lícito ou não pagar tributo a César?» Ora, se Jesus respondesse “sim”, seria acusado de colaboracionismo com as forças opressores romanas, impuras e odiadas pelo povo; se respondesse “não”, seria acusado de revoltoso, antirromano, e podia ser acusado a Pôncio Pilatos; se respondesse “não sei”, seria desmoralizado como um rabi incompetente e estulto. Eis, pois, a chamada: armadilha perfeita! No entanto, a resposta de Jesus foi mais perfeita ainda e verdadeiramente admirável! Pediu uma moeda, perguntou de quem era a inscrição. Era de César, o Imperador dos romanos... «Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».

Que significa tal resposta? Há nesta extraordinária resposta de Jesus muito mais do que a corrente e banal leitura que vê nesta passagem o mero estabelecimento de regras de convivência entre Estado e Igreja…. Na verdade, César, aqui, significa o mundo em que vivemos, com toda sua riqueza, com suas leis e dinâmicas, com sua complexidade. César é a política, César é o estado e as suas estruturas (também a DGS); César são os sindicatos, as associações de trabalhadores, desportivas, culturais e filantrópicas… Portanto, tudo quanto é humano e legítimo deve ser apreciado e respeitado pelos cristãos. Ao ensinar a dar a César o que é de César, o Senhor Jesus ensina-nos a respeitar as estruturas da sociedade em que vivemos, a levá-las a sério e participar nelas ativamente.

Mas, ao ensinar e exortar a dar a Deus o que é de Deus, o Senhor Jesus recorda-nos também e uma vez mais, que somente Deus é Deus. E o que se deve dar a Deus? Tudo, absolutamente, tudo! De Deus é a nossa vida, de Deus é a nossa morte, de Deus é tudo quanto temos, vivemos e somos. Isto é: dai a César o que é de César, mas recordai que também César pertence a Deus! César não é Deus! E aqui está a originalidade e proposta de conversão da resposta de Jesus.

Nestes tempos marcados pelas tribulações e desafios causados pela pandemia do covid-19, de forma bem impressiva, demo-nos conta desta realidade. “Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas, ao mesmo tempo, importantes e necessários: todos chamados a remar juntos” (Francisco, Meditação na Praça de São Pedro, 27/III/2020). Demo-nos conta que a ciência não é Deus, a tecnologia não é Deus, o dinheiro e o poder não são Deus, os “grandes” do mundo não são Deus! Só o Senhor é Deus! E Deus realiza os seus desígnios, que são sempre de salvação, através dos homens e das instituições humanas, algumas vezes mesmo, sem uma profissão de fé declarada, como nos mostra a primeira leitura, onde o rei da Pérsia, Ciro, um pagão, é instrumento de Deus para a libertação do seu povo.

Com efeito, nestes últimos meses temos assistido e beneficiado da dedicação e sacrifício de muitos irmãos e irmãs, tanto na “linha da frente”, como em outros níveis de atuação, procuram dar a melhor resposta aos muitos desafios desta pandemia.

Caros irmãos e irmãs em Cristo,
Como nos lembra o Santo Padre, na mensagem para este dia mundial das Missões: “A Igreja… prolonga na história a missão de Jesus e envia-nos por toda a parte para que, através do nosso testemunho da fé e do anúncio do Evangelho, Deus continue a manifestar o seu amor e possa tocar e transformar corações, mentes, corpos, sociedades e culturas em todo o tempo e lugar”.

O serviço dos muitos missionários e voluntários é, também, sinal evidente do desejo de salvação realizado por Jesus confiado à sua Igreja. É com este objetivo de sustentar o trabalho missionário, realizado em nome do Papa pelas OMP, que se celebra este Dia Mundial das Missões, reiterando, assim, que com a oração, a reflexão e ajuda material das nossas ofertas podemos participar ativamente na Missão de Jesus através da sua Igreja. As muitas necessidades e desigualdades potenciadas pelas consequências da pandemia tornam mais dolorosa a pergunta do Senhor: «Quem enviarei?» e urgente e lancinante a necessidade da resposta: «Eis-me aqui, envia-me».

Não nos deixemos vencer pela tentação de colocar no lugar de Deus os muitos “césares” desta vida. Não endeusemos a ciência; não absolutizemos a tecnologia; não adoremos as “plataformas” de lazer e consumo… Não cedamos à tentação de colocar o homem, o indivíduo e seus desejos e sua lógica limitada e estreita no lugar de Deus!

Como Cristãos, devemos participar da vida da humanidade, devemos participar da construção da sociedade mais justa e solidária. Devemos saber apreciar o que de bom e de belo existe no mundo, sinais da presença e da bondade de Deus. Mas, não nos esqueçamos: nada disso é Deus, nada disso merece a nossa adoração; a nada disso devemos prender o nosso coração! Só o Senhor é Deus!

A César, o que é de César; a Deus tudo, pois tudo é de Deus! Viver assim é crer de verdade, é levar Deus a sério! A nossa ilusão é pensar que podemos colocar Deus no meio de tantos e tantos amores, de tantas e tantas paixões, fazendo dele apenas mais uma, entre tantas realidades da vida. Não! Como dizia São Vicente de Paulo, dar a Deus o que é de Deus, é viver centrado em Jesus Cristo, missionário do Pai: “Lembrai-vos, [padre], de que vivemos em Jesus Cristo pela morte de Jesus Cristo e que devemos morrer em Jesus Cristo pela vida de Jesus Cristo, e que a nossa vida deve estar escondida em Jesus Cristo e cheia de Jesus Cristo, e que para morrer como Jesus Cristo, é preciso viver como Jesus Cristo...”

“A Santíssima Virgem Maria, Estrela da Evangelização e Consoladora dos aflitos, discípula missionária do Seu Filho Jesus, continue a amparar-nos e a interceder por nós”.

Pe. Fernando Soares, CM
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