top of page

Solenidade Natal do Senhor

Se Deus se fez um de nós e quis habitar connosco, foi para nos revelar que a sua grandeza não está nas manifestações espetaculares ou na sua omnipotência…, mas que a sua grandeza é a do amor.

“Hoje uma grande luz desceu sobre a terra!” (Acl / Ev.). “E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós!” (Jo 1 14,).

Depois de ter apresentado o Salvador revestido da nossa natureza humana nas celebrações da noite e da madrugada, a Liturgia do Dia de Natal fala-nos da geração eterna do Filho bem-amado do Pai, proclama a fé na divindade de Cristo (2ªL e Ev). Aquele que contemplamos reclinado no presépio é, na verdade, o Verbo, a Palavra viva, em que todo o pensamento, toda a vida e todo o ser de Deus se exprimem. Gerado desde toda a eternidade, Ele é, com o Pai, criador, e senhor do universo. E a salvação, esperada por Israel e por todos os homens, embora, por vezes de modo confuso, consiste precisamente nesta Incarnação da Palavra eterna do Pai, permitindo assim à humanidade estabelecer relações filiais com Deus. Esta é a Boa Notícia (1ªL) que deve ser levada até aos confins da terra: Deus, em Jesus Cristo, vem ao encontro dos homens de todos os tempos e lugares.

Na Introdução ao seu Evangelho, proclamada nesta Missa (Jo 1,1-5.9-14), S. João mostra como, progressivamente, o Verbo ou a Palavra de Deus, se foi manifestando ao mundo: em primeiro lugar, através da criação; depois, pela revelação feita ao povo de Israel; finalmente, pela Encarnação, “fazendo-se carne e habitando entre nós”. Transporta-nos às origens da humanidade. “No princípio era o Verbo … e o Verbo era Deus…tudo se fez por meio dele”. Clara referência à primeira página do livro do Génesis em que se narra a criação do mundo. Fala-se de criação para indicar que no Natal do Senhor há uma nova criação, um novo começo para a humanidade.

É verdade que a criação rejeitou o seu Criador. “A luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam”. Mas o Criador não rejeitou a sua criação. Sempre guiou os passos do seu povo, lhe enviou mensageiros para o alertar e consolar, conforme a segunda leitura (Heb, 1, 1-6): “Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho”
Deus inicia um movimento que culmina na encarnação do Verbo, no nascimento de Jesus. “O Verbo era a luz verdadeira, que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem”. Jesus nasceu para nos iluminar, para nos dar a salvação, para nos dar a plenitude da Vida, e nos tornar filhos de Deus.

No entanto, também aqui, como na narrativa do livro do Génesis, nós somos chamados a uma opção. O Deus que vem ao nosso encontro no presépio de Belém é demasiado frágil para se impor pela força e pela violência. Por isso, podemos recebe-lo na nossa vida ou não. “Veio para o que era seu e os seus não O receberam. Mas, àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.” Aqueles que deixam que haja Natal no seu coração e na sua vida encontram a salvação e a felicidade. “Jesus fez-se homem para que o homem se tornasse Deus” (Sto Agostinho).

E neste projeto o homem jamais está sozinho porque “O Verbo montou a sua tenda no meio de nós!” Ao longo da peregrinação do Povo de Deus em direção à terra prometida a tenda do encontro era o local onde Deus habitava com o seu povo. Com a Encarnação, é Jesus o local onde Deus habita no meio do seu povo, dos homens que peregrinam em direção à pátria definitiva. É Jesus que oferece a vida em plenitude aos homens.

Este “Menino que nasceu para nós e nos foi dado” (Is 9,5) revela-nos quem é o Deus cristão. “A Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer”. O Deus Cristão é o Deus que se preocupa com o Seu povo e que vem ao seu encontro. A celebração do nascimento de Jesus não é um simples aniversário ou uma bela recordação do passado. “O Natal do Senhor não nos aparece como uma recordação do passado, mas vivemo-lo no presente” (S. Leão Magno). Como a Páscoa da Ressurreição, a celebração do Natal é um memorial. Com a celebração do nascimento de Jesus, somos chamados a reviver no tempo presente, nas nossas situações de vida concreta, o nascimento de Jesus, o Deus connosco que veio para nos salvar.

Para transformar o mundo numa comunidade de presépio no clima de amor, luz, paz e fraternidade tão necessários, Cristo deve contar com o suor do meu rosto e o esforço das minhas mãos. Com os olhos e o coração do Papa Francisco perante o cenário de guerras e de sofrimentos da humanidade de hoje – milhares a morrerem de fome e frio, crianças a brincar com mísseis mortíferos, um Natal triste de guerra e devastação…e a indiferença de olhar para o outro lado, de lavar as minhas mãos, como se não fosse problema meu, quando sabemos que é de todos! (cf entrev. à Mediaset, Vat news,18/12/22).

Com os olhos e a ternura de Vicente de Paulo, que com tanto empenho contemplou o mistério do Natal e da Encarnação, grandes fontes de inspiração e ação em favor dos mais pobres e sofredores, para ele e para nós, seus humildes seguidores:

“Olhemos o Filho de Deus: que coração tão caritativo! Que chama de amor! Jesus, diz-nos, por favor, o que é que te tirou do Céu para vires sofrer a maldição da terra e todas as perseguições e tormentos que recebeste? Ó, Salvador! Fonte de amor humilhado… Quem amou o próximo mais do que Tu? … Só Nosso Senhor pôde deixar-se arrastar pelo amor das criaturas, até ao ponto de deixar o trono de seu Pai e tomar um corpo sujeito às debilidades. E para quê? Para estabelecer entre nós pelo seu exemplo e pela sua palavra, a caridade para com o próximo” (XI, 555).

E fica a interpelação: se Deus se fez um de nós e quis habitar connosco, foi para nos revelar que a sua grandeza não está nas manifestações espetaculares ou na sua omnipotência…, mas que a sua grandeza é a do amor. Que Ele permanece grande quando se fez pequeno e parece fraco aos olhos humanos. No Menino do presépio, Deus aproxima-se da humanidade, para que também nós nos saibamos aproximar uns dos outros.

Pe. Luciano Ferreira, CM
bottom of page