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Lições bíblicas

XX Domingo do Tempo Comum

No Evangelho deste dia ocorrem duas imagens significativas e ricas de espiritualidade: o fogo e o batismo. Lucas estará a pensar de modo especial no Espírito enviado por Jesus aos discípulos, esse dom representado através da imagem das línguas de fogo.

XX Domingo do Tempo Comum

Estimados irmãos:
São Vicente de Paulo fez esta pergunta: qual é a nossa vocação? Sim, qual é a minha vocação de batizado, discípulo de Cristo e, portanto, cristão? A resposta não se faz esperar: “a nossa vocação é ir (Igreja em saída), não a uma paróquia, nem tão pouco a um bispado, mas a todo o mundo; e fazer o quê? Abrasar o coração dos homens, fazer aquilo que fez o Filho de Deus, Ele que veio lançar o fogo à terra a fim de inflamá-la do seu amor”.

É certo que estas são palavras dirigidas aos Padres da Missão. Mas o seu alcance ultrapassa os limites da Família Vicentina e dizem respeito à própria identidade cristã. O Papa Francisco é claro nas suas palavras quando afirma: “em todos os batizados, desde o primeiro ao último, atua a força santificadora do Espírito que impele a evangelizar” (EG 119). Todos somos discípulos missionários. É pertinente a referência à vocação batismal, denominador comum da missão em sinodalidade que esbate os ímpetos do clericalismo: “em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário. Cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas recetor das suas ações” (EG 120).

Daqui resulta que é de todos os batizados a vocação de fazer o que fez o Filho de Deus: abrasar o coração dos homens, lançar o fogo à terra, a fim de a inflamar do seu amor. Aqui está a base do carisma vicentino. Com efeito, no Evangelho deste dia ocorrem duas imagens significativas e ricas de espiritualidade: o fogo e o batismo. Lucas estará a pensar de modo especial no Espírito enviado por Jesus aos discípulos, esse dom representado através da imagem das línguas de fogo. Ora, fogo e batismo remetem a uma mesma realidade que é o movimento pascal da morte à vida sem o qual não há transformação da terra que se deseja incendiada na esperança e na caridade. Neste contexto batismal é oportuno explicitar o símbolo lucano do fogo: “enquanto a água significava o nascimento e a fecundidade da vida dada pelo Espírito Santo, o fogo simboliza a energia transformante dos atos do Espírito Santo” (CIC 696). Quando Jesus fala da terra incendiada não se refere, certamente, à calamidade dos incêndios que deflagram diante dos nossos olhos. Aqui o fogo é outro: “é sob a forma de línguas, «uma espécie de línguas de fogo», que o Espírito Santo repousa sobre os discípulos na manhã de Pentecostes e os enche de Si” (CIC 696). Não é por acaso que o Papa Francisco afirma: “Para manter vivo o ardor missionário, é necessária uma decidida confiança no Espírito Santo (EG 280). A espiritualidade vicentina conta com o testemunho de Luísa de Marillac, enamorada do Pentecostes: “O Espírito Santo, vindo às almas assim dispostas, consumindo com o ardor do seu amor os impedimentos às operações divinas, estabelecerá nelas as leis da santa caridade, e dar-lhes-á força para agirem acima do poder humano”. No dizer da Irmã Alfonsa Richartz, entre Vicente de Paulo e Luísa de Marillac “deu-se o encontro de duas pessoas carismáticas, portadoras da graça, cada uma à sua maneira”.

Ora, o incêndio a que Jesus faz referência não é um fogo light, morno, neutro, sem efeitos, à maneira do politicamente correto. Um evangelho sem consequências não é, certamente, o Evangelho de Jesus Cristo. Veja-se, na primeira leitura, a figura do profeta Jeremias que recebe de Deus uma missão que lhe vai trazer o ódio dos chefes e a desconfiança do Povo de Jerusalém. Jeremias vai cumprir a missão que Deus lhe confiou, doa a quem doer. Ele sabe que a missão profética não é um concurso de popularidade e de carreira, mas um testemunhar, com verdade e coerência, os projetos de Deus. A segunda leitura é interpelativa no recurso à imagem da perseverança no combate: “vós ainda não resististes até ao sangue”.
Na base desta determinação está esse batismo no fogo, ansiado por Jesus, sem o qual não é possível o efetivo anúncio do Evangelho da Alegria e dos seus correlativos frutos na Igreja, no mundo e na sociedade. Este batismo é muito mais que um simples evento selfiado. É um processo, à maneira do percurso catecumenal, iluminado pela Palavra e pela vida orante, conduzindo à iluminação e à mistagogia no encontro com Cristo pela moção do seu Espírito. Fazer a experiência da mansidão e do fogo da caridade com a força do sal que salga e da luz que brilha. Tudo isto ao abrigo da Mãe de Deus, intercessora no Pentecostes, que na sua Assunção roga por nós.

Pe. Mário Ribeiro, CM
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