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Lições bíblicas

I Domingo da Quaresma

No fundo, a Quaresma, como caminho de liberdade, é um processo de conversão de quem reconhece que a vida não depende apenas dos esforços titânicos do próprio, mas de uma descoberta de que é Jesus que vai para o deserto em nome de cada um de nós, para converter as nossas tentações em vida nova, em liberdade plena.

I Domingo da Quaresma

O Papa Francisco na sua Mensagem para a Quaresma deste ano afirma, logo no início, que «a Quaresma é um tempo favorável de renovação pessoal e comunitária que nos conduz à Páscoa de Jesus Cristo morto e ressuscitado». Uma síntese que permite perceber o que nos espera e, sobretudo, nos dá a chave de leitura da Palavra de Deus que, em especial, nos será apresentada durante estes 40 dias de caminho para a Páscoa.

Sobre este primeiro Domingo, verificamos que esta Palavra nos convida a refletir sobre a liberdade. Reflexão, essa, que começa com a escuta da leitura do Livro do Deuteronómio (Deut 26, 4-10), onde Moisés nos recorda que tudo vem de Deus (há uma origem para além de nós mesmos) e que não podemos esquecer esse princípio (professar a fé em Deus Criador); prossegue com a Carta de S. Paulo aos Romanos (Rm 10, 8-13), e o seu convite à profissão de fé em Cristo: «se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e se acreditares no teu coração que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo» (Rm 10, 9); e nos leva até ao Evangelho de S. Lucas, à passagem que relata a ida de Jesus para o deserto, onde, conduzido pelo Espírito Santo, aí permaneceu durante 40 dias e foi tentado pelo diabo (Lc 4, 1-13). Essencialmente, e de uma forma muito simples, a primeira leitura coloca-nos diante da origem da liberdade (filhos de Deus); a segunda leitura aponta para a sua finalidade (salvação) e o Evangelho apresenta-nos as tentações que podem bloquear a experiência de liberdade e, por conseguinte, de uma vida plena.

Julgo que é oportuno debruçarmo-nos mais profundamente sobre este momento de Jesus no deserto e a forma como Ele é tentado. Ainda para mais, se pensarmos, por exemplo, na experiência pandémica que ainda vivemos, mas, sobretudo, no conflito mais visível que o mundo está a assistir (invasão da Ucrânia pela Rússia) e na forma como facilmente podemos cair na tentação do mal.

As tentações de Jesus surgem num contexto muito concreto (deserto) e depois de aí permanecer 40 dias: «nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome» (Lc 4, 2). Neste «sentir fome», surge o diabo (aquele que divide) com uma abordagem que o leva a ser confrontado com 3 propostas bem claras: «se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão»; «eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser. Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu»; «se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’; e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’». Mas Jesus, com as suas respostas («não só de pão vive o homem»; «está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’»; «está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’»), afirma a sua identidade de Filho de Deus, recordando-nos que a liberdade não se consegue quando se apega a banalidade ao coração ou se deixa guiar pelo ritmo deste mundo, mas na medida em que se entrega à confiança em Deus (esperar o Pão de Deus).

No fundo, a Quaresma, como caminho de liberdade, é um processo de conversão de quem reconhece que a vida não depende apenas dos esforços titânicos do próprio, mas de uma descoberta de que é Jesus que vai para o deserto em nome de cada um de nós, para converter as nossas tentações em vida nova, em liberdade plena. Estes 40 dias são uma proposta para viver um novo caminho com Cristo, descobrindo que não se trata de saber qual é a minha obra, mas de descobrir qual é a obra que Cristo tem para mim. Este é o princípio da conversão: diante da tentação, saber o que é que Deus tem para mim. E para isso, permitam, acredito que o primeiro passo passa pela descoberta da riqueza da escuta da Palavra de Deus e da oração. Em especial, e a partir deste tema das tentações, nada como voltar a experimentar a novidade da oração do Pai-Nosso.

Pe. Pedro Guimarães, CM
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