Domingo de Pentecostes
Acumulamos bens, aumentamos páginas de doutrina, alargamos as fronteiras do poder, ocupamo-nos de mil afazeres, sem disponibilidade, por vezes, para o essencial. Haverá lugar para acolher o Espírito Santo?
Domingo de Pentecostes
Vinde Espírito Santo
Estremecemos com a notícia do massacre de dezanove crianças e dois professores numa escola, no Texas. Mais um entre tantos. O lugar para o desenvolvimento da vida tornou-se uma armadilha fatal. As perguntas de sempre tomam conta do nosso pensamento: como foi possível? Que espírito maligno é esse que não poupa vidas tão tenras? E os pais, que dizer-lhes perante o impensável? Vinde Espírito Consolador!
Na sequência do trágico acontecimento, nos meandros religiosos, multiplicaram-se as vigílias de oração: «é preciso curar», disse uma participante. Outros, mais inflamados, lembraram que tais manifestações, em honra das vítimas, constituem um insulto aos familiares se não se prosseguir com uma campanha consistente tendo em vista uma total proibição da venda de armas. Outros ainda, à maneira de antigos escolásticos, emaranhados em longos debates, discorrem sobre a hipótese «que faria Jesus se estivesse neste contexto? Legitimaria o uso das armas ou bania-as?» E os académicos ainda não chegaram a um consenso sobre tão grave matéria. Vinde Espírito de Sabedoria!
Entretanto, a terra Ucrânia contínua a ser cravada por bombardeamentos indiscriminados. A guerra veio para durar. Não há sansões que travem o impulso destrutivo do homem. Mais a oriente, a ameaça da invasão de Taiwan pela China faz soar os alarmes com a insinuante interrogação: «estamos mesmo à beira da III guerra mundial»? Vinde Espírito de Conselho.
Na Igreja, o tema do Sínodo parece um assunto relativamente arrumado. «Graças a Deus», dirão alguns. Outros contam os dias para apresentação do relatório da Comissão Independente sobre os casos de abusos a pessoas vulneráveis. Há ainda os que fazem a contagem decrescente para o início das JMJ. Entre uns e outros, há um temor que se entranha, afinal a Igreja está ferida, os templos estão cada vez mais vazios e não há uma fórmula mágica para inverter esta situação. Como vai ser o amanhã? Certos agentes pastorais, os padres e os leigos mais comprometidos, caminham agora mais cansados e desanimados do que os discípulos em direção a Emaús. Vinde Espírito de Fortaleza.
É verdade que algumas comunidades de fiéis formadas, em grande medida, por cabeças calvas e cabelos grisalhos, continuam como se nada tivesse mudado nas últimas décadas. Mantém as expressões de fé de outros tempos, ocasionais e festivas, como a promoção e a participação de uma procissão em honra de um santo que desconhecem, como se isso bastasse. Procuram lugares sagrados, acendem uma vela, repetem fórmulas antigas sobre as quais não refletem, regateiam as condições para a celebração de um sacramento, mas dificilmente investem tempo na leitura e na meditação da Palava de Deus, nem assumem a atitude de discípulo do Mestre, cuja cruz é necessário abraçar todos os dias. Vinde Espírito de Amor.
Acumulamos bens, aumentamos páginas de doutrina, alargamos as fronteiras do poder, ocupamo-nos de mil afazeres, sem disponibilidade, por vezes, para o essencial. Haverá lugar para acolher o Espírito Santo? Como seria a Igreja se Ele descesse sobre os batizados, como desceu sobre os apóstolos, se Ele guiasse o rebanho de ovelhas, tantas vezes alimentadas com a “fast-food” da espiritualidade-pop, ou com o escasso alimento das celebrações sem tempero e à pressão? O que é que ficaria de estruturas humanas e físicas, de tradições moribundas e princípios doutrinais anacrónicos? Vinde Espírito Santo Purificador.