Uma crise climática que afeta TODOS, TODOS, TODOS
A continuidade do mundo em que vivemos está comprometida. Terei eu consciência de que acabou o tempo da previsão, da negação, do populismo irresponsável e que os fenómenos climáticos extremos com consequências catastróficas vão dizimar a espécie humana se nada fizermos a partir de agora?
Mafalda Guia
25 de outubro de 2023
Em maio de 2015 o Papa Francisco publicou a carta encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum. Ao longo da sua mensagem, o Papa Francisco apresentou-nos uma abordagem integrada da preocupação com todas as pessoas e com o meio ambiente (a ecologia integral), tendo por base a origem e as Sagradas Escrituras. De forma muito objetiva e assertiva, o Papa fala-nos sobre as mudanças climáticas, sobre os seus impactos na vida dos pobres, bem como descreve os passos que cada pessoa pode dar no processo de conversão ecológica. É um documento importante para crentes e não crentes, preocupante pelos factos que descreve, mas que ao mesmo tempo apresenta uma mensagem de esperança, através da proposta de um plano de ação concreto que todos podemos colocar em prática para ajudar a minimizar a situação em que vivemos.
Passados cinco anos da sua publicação, em 2020, a Igreja voltou a fazer um apelo sobre a crise climática através da celebração do quinto aniversário da carta encíclica Laudato si’, procurando chamar novamente a atenção para o grito da terra e dos pobres. Esta comemoração coincidiu com um momento crítico, a pandemia global da Covid-19, o que tornou ainda mais significativa a mensagem profética da Laudato si’.
Agora, passados oito anos desde a publicação da carta encíclica Laudato si’, o Papa Francisco volta a abordar as questões ambientais, publicando a 4 de outubro, dia da memória de São Francisco de Assis, a Exortação Apostólica Laudate Deum (Louvai a Deus), um documento que atualiza a Laudato si’ e que reafirma a posição do Papa Francisco sobre os problemas ambientais que vivemos. A poucos dias de se realizar mais uma COP (a Conferências das Partes, um evento anual promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) que reúne representantes de todo o mundo , entre eles, diplomatas, governos e membros da sociedade civil, com o objetivo de discutir e organizar as iniciativas sobre os impactos das mudanças climáticas), o Papa Francisco, através desta exortação, faz um apelo à corresponsabilidade diante da emergência climática, alertando para o facto de o mundo estar a aproximar-se “de um ponto de rutura". É “o grito do Papa por uma resposta à crise climática”.
Oito anos separam estes dois documentos do Papa Francisco e a pergunta que se impõe é: o que mudou desde então? Todos os dias lemos e ouvimos falar sobre as alterações climáticas, na esmagadora maioria das vezes pelos piores motivos, mas aparentemente parece passar ao lado de muitos de nós todos os apelos que a terra nos faz, cada vez com mais frequência. Na sua nova Exortação Apostólica, o Papa Francisco começa por dizer isso mesmo: “por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais da mudança climática impõem-se-nos de forma cada vez mais evidente. Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenómenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis de uma doença silenciosa que nos afeta a todos.”
Numa análise superficial sobre este problema, há quem tente imputar responsabilidades aos pobres, pela quantidade de filhos que têm. Não nos deixemos levar por estes argumentos infundados, porque são precisamente os pobres, aqueles que pouco ou nada têm, que menos contribuem para o problema. Como escreve o Papa, “a realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que os 50% mais pobres de toda a população mundial e que a emissão per capita dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres.”
Mas afinal, qual é a origem de todos os problemas climáticos? O Papa responde: "a origem humana da mudança climática já não se pode pôr em dúvida". Os dados científicos assim o comprovam e ao longo da Exortação Apostólica o Papa apresenta factos e evidências, para que ninguém negue a sua existência. O ser humano julga-se ilimitado, “cujas capacidades e possibilidades se poderiam alargar ao infinito graças à tecnologia”. No entanto, “o mundo que nos rodeia não é um objeto de exploração, utilização desenfreada, ambição sem limites. O Papa Francisco relembra ainda que não “podemos considerar a natureza como uma mera «moldura» onde desenvolvemos a nossa vida e os nossos projetos, porque «estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos», de tal modo que se contempla «o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro»”.
Outro dos aspetos destacado pelo Papa Francisco é o da fraqueza da política internacional. A meu ver esta é a causa da fraca ou quase inexistente reação às alterações climáticas, que gerido de outra forma, poderia tornar-se na solução. Tantas reuniões, comités, fóruns, discussões, objetivos, políticas, promessas e acordos que não produzem os efeitos desejados e que na grande maioria dos casos são negligenciados e ignorados por quem os assina. É preciso favorecer "acordos multilaterais entre Estados" e criar "organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial", alerta o Papa. Essas organizações "devem ser dotadas de uma real autoridade que possa «assegurar» a realização de alguns objetivos irrenunciáveis". “São necessários espaços de diálogo, consulta, arbitragem, resolução dos conflitos, supervisão e, em resumo, uma espécie de maior «democratização» na esfera global, para expressar e incluir as diversas situações”.
No que respeita à política climática global, o Papa Francisco faz um resumo sucinto das principais decisões das Conferências das Partes (COP) anuais, deixando uma conclusão que nos deve inquietar: “«os acordos tiveram um baixo nível de implementação, porque não se estabeleceram adequados mecanismos de controlo, revisão periódica e sanção das violações”.
A COP28 está prestes a acontecer nos Emirados Árabes Unidos no próximo mês de dezembro e tudo indica que o Papa Francisco poderá estar presente nesta cimeira, ainda que não tenha sido oficialmente confirmado. Assim, com os olhos postos neste evento, o Papa Francisco deixa uma mensagem de esperança e também um alerta: “se temos confiança na capacidade de o ser humano transcender os seus pequenos interesses e pensar em grande, não podemos renunciar ao sonho de que a COP28 leve a uma decidida aceleração da transição energética, com compromissos eficazes que possam ser monitorizados de forma permanente. Esta Conferência pode ser um ponto de viragem, comprovando que era sério e útil tudo o que se realizou desde 1992; caso contrário, será uma grande desilusão e colocará em risco quanto se pôde alcançar de bom até aqui”.
“De uma vez por todas acabemos com a atitude irresponsável que apresenta a questão apenas como ambiental, «verde», romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses económicos. Admitamos, finalmente, que se trata de um problema humano e social em sentido amplo e a diversos níveis. Por isso requer-se o envolvimento de todos”.
TODOS, TODOS, TODOS, porque a crise climática está a acontecer aqui e agora, porque afeta todas as criaturas do mundo. Tal como nos pede o Papa Francisco, pensemos nas gerações futuras: “Qual é o sentido da minha vida? Qual é o sentido da minha passagem por esta terra? Qual é, em última análise, o sentido do meu trabalho e do meu compromisso?”. Acabou o tempo da especulação, da previsão, da discussão, do planeamento, do ceticismo, da negação, do populismo irresponsável. As inundações apocalípticas, as enormes secas, as ondas de calor desastrosas e os ciclones e furacões catastróficos tornaram-se o novo normal nos últimos anos; continuam hoje e amanhã vão piorar. Não podemos cair no erro de achar normal todos estes fenómenos. Não há tempo a perder, é preciso agir. Não temos uma segunda oportunidade para minimizar os nossos erros.