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Uma Casa Comum, que foi criada sem "divisões" ou Fronteiras

A nossa responsabilidade de proteger a Casa Comum para as gerações futuras não se pode limitar a cuidar das questões ambientais, mas também das questões morais e éticas que se refletem de forma clara nas desigualdades das condições de vida entre os membros da Família Humana.

Uma Casa Comum, que foi criada sem "divisões" ou Fronteiras
Diogo Assunção
06 de setembro de 2023

“Amigos, gostaria de ser claro convosco, que sois alérgicos à falsidade e às palavras vazias: na Igreja há lugar para todos, para todos.” Disse-o o Papa Francisco em Lisboa, na cerimónia de acolhimento da Jornada Mundial da Juventude.

Esta afirmação que soou a “novo” não encerra em si nenhuma novidade, já que a Igreja Católica se diz universal e, por isso mesmo, se apresenta preocupada e atuante no que diz respeito à união de toda a família humana e ao seu desenvolvimento sustentável e integral (LS 13) – sejam eles batizados ou não. A encíclica Laudato Si', publicada pelo Papa Francisco em 2015, traduz exatamente essa preocupação: a necessidade urgente de cuidar da "Casa Comum" que é o nosso planeta Terra.

Ao longo da Encíclica é defendida uma abordagem de "ecologia integral", que reconhece a interligação de todos os aspetos relevantes da vida na Terra. A “ecologia integral” não se foca apenas a proteção da natureza, mas também na promoção da justiça social e económica. Não conseguimos resolver os problemas ambientais sem abordar simultaneamente as questões sociais e económicas.

E este ponto levou-me a pensar novamente na JMJ, no passado mês de agosto. Naquela Missa de Envio, no Campo da Graça; em tantos que estavam presentes em representação de tantos outros que não puderam / não conseguiram / não podiam viajar para ali estar. Tanta gente e tão diferente… No Campo da Graça não estiveram só um milhão de peregrinos… couberam todos, num espaço dividido em setores mas em que não havia fronteiras…

A Casa Comum, por ser – realmente – comum foi criada por Deus dessa forma: sem fronteiras.
O que se passa na Casa Comum afeta a todos, está tudo interligado.

A esse propósito recordo-me do Papa Francisco ter dito “estamos todos no mesmo barco” numa Quaresma durante a pandemia do COVID. Algo semelhante pode ser dito relativamente ao que se passa na Casa Comum, mas a verdade é que não estamos todos no mesmo barco, mas sim na mesma tempestade.

A nossa responsabilidade de proteger a Casa Comum para as gerações futuras não se pode limitar a cuidar das questões ambientais, mas também das questões morais e éticas que se refletem de forma clara nas desigualdades das condições de vida entre os membros da Família Humana.

Infelizmente, estas questões não se resolvem apenas com a recomendação da Igreja ou intervenção do Papa.

Os governos também desempenham um papel crucial na proteção desta Casa Comum. É necessária a implementação de políticas ambientais rigorosas, investir em energias renováveis, reformar modelos económicos e adotar regulamentações que promovam a sustentabilidade e a justiça social. Isso significa que a preocupação dos governos e associações com interesses “nacionais” e “regionais” não se pode sobrepor à necessidade de contruir a sustentabilidade ao nível global – ao nível da Casa Comum – tanto na preservação do ambiente e da vida, como na promoção de uma qualidade de vida sustentável nas regiões de origem de cada membro desta família.

Acreditando verdadeiramente nisso, então aceitamos que somos desafiados – cada um de nós – a assegurar que assim é ao nível micro – da nossas casa/família, aos nossos vizinhos e colegas de trabalho – e ao nível macro, procurando formas de reduzir as desigualdades nas condições de vida das pessoas – conterrâneos ou estrangeiros/emigrantes.

Se se ler a Laudato Si’ de forma ligeira, até parece que este apelo do Papa Francisco para escutarmos o Grito da Terra é apenas uma modernice para chamar a atenção para o Grito dos Pobres que a Igreja tem referido desde sempre; alguns dirão que a Igreja não tem nada que se meter nestes assuntos. Eu estou inclinado a concordar com o Papa Francisco: a Igreja tem mesmo a obrigação de se meter nestes assuntos.
Os gritos da Terra e o dos Pobres têm origem semelhante na falta de amor ao próximo. Essa falta de amor tem assumido formas variadas ao longo do tempo, quer nas práticas de domínio e poder adotadas nos tempos do colonialismo e da escravatura, nas práticas decorrentes da Revolução Industrial, ou na forma de organização da sociedade promovida pelos modelos económicos atuais e pela globalização. Se o progresso – social, económico, tecnológico – é fundamental, o progresso à custa do sacrifício de outros “meus irmãos” não é legítimo.

A Humanidade fez um longo caminho. No Livro do Génesis é afirmado que “Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus.” (Gen 1, 27). Na Declaração Universal dos Direitos Humanos anuncia-se que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” Fica demonstrado que a conceção que temos hoje do mundo, em questões sociais, económicas ou científicas, já não nos deixa aceitar que alguns se sintam “naturalmente” privilegiados em relação a outros.

É pena que estas palavras soem, na maioria das vezes, a “bronze que soa ou um címbalo que retine” (1 Cor 13:1) pela falta de amor que orienta a sua aplicação no dia a dia…

A “ecologia integral”, de que o Papa Francisco nos fala na Laudato Sí’, é mesmo sobre isto: é tornar estas palavras vivas, através do amor fraternal. Eu vejo este desafio desta forma: “o meu estilo de vida não pode ser baseado num modelo que impõe um estilo de vida aos outros em condições que eu não aceitaria para mim. Se, por um lado ‘Tudo me é permitido’, por outro ‘nem tudo me é conveniente.’” (1 Cor 6:12)

Assumo que é mais fácil dizer do que fazer, mas procuro que as minhas ações se orientem no sentido de contribuir para a melhoria das condições de vida de outros, tentando traduzir isso desta forma:
• Consumindo de forma mais responsável, reduzindo a tentação do consumismo e favorecendo modelos de comércio mais justo – é preciso ter informação para fazer escolhas mais sustentáveis (e hoje não podemos dizer que nos faltem meios para a procurar);
• Evitando o desperdício de recursos, desenvolvendo a consciência de que tudo o que é desperdiçado (seja água, alimentação, materiais… TEMPO…) tem um custo em trabalho, energia ou matérias-primas, que poderiam ter melhor “destino”;
• Denunciando e não compactuando com corrupção, que inevitavelmente leva ao desperdício de recursos e à promoção de modelos ineficientes de organização – seja a que nível for!
• Acolhendo os irmãos que têm a ambição e o direito de procurar melhorar a sua qualidade de vida, sem deixar de procurar criar as condições para que não sintam necessidade de migrar para o alcançarem.

Sou Escuteiro há mais de 40 anos. Tento, cada dia, deixar este mundo melhor do que o encontrei e há alturas em que parece que não vale a pena. Mas vale; e fazer uma boa ação a cada dia, a uma pessoa de cada vez, pode mudar o mundo. O que não vale é: desistir, baixar os braços ou deixar de ser ativista nas causas em que acreditamos – por nós, pelos nossos… por todos.

Termino com frases de duas pessoas santas; que estas nos possam motivar a trilhar este caminho de Jerusalém a Jericó à maneira do bom samaritano (Lc 10, 33):
• “Seja a mudança que você quer ver no mundo.” (Gandhi) [uma adaptação da frase “If we could change ourselves, the tendencies in the world would also change.”]
• “Realmente, apenas amo a Deus tanto como amo a pessoa que menos amo.” (Dorothy Day) [uma tradução livre da frase original: “I really only love God as much as I love the person I love the least.”]

Se este caminho fosse plano e a direito era fácil… mas não é… o Papa Francisco já anunciou para o final deste Tempo da Criação a publicação de uma segunda parte da Laudato Si’. Aguardemos pelo que nos vai escrever, mas não precisamos de aguardar para tentar mudar o mundo na direção que cremos melhor com a nossa conversão pessoal.

Mesa Redonda
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