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Um convite à construção de pontes

Combater a aporofobia através da arquitetura acessível é pensar os espaços como pontes, e não como muros. É redesenhar a fronteira para que esta não separe, mas aproxime.

Um convite à construção de pontes
Maria Salgueiro
21 de maio de 2025

A arquitetura é um reflexo das sociedades. Materializa os seus valores, interesses e, inevitavelmente, desigualdades. Na esfera da acessibilidade arquitetónica, discute-se mais do que rampas e sinalizações: fala-se sobre a dignidade do outro, sobre o direito de pertencer ao espaço comum.

A aporofobia é um preconceito invisível, não rejeita o diferente enquanto exótico ou desconhecido, rejeita a pobreza, a vulnerabilidade, a ausência de poder. Introduzido por Adela Cortina em Aporofobia: O Rechaço ao Pobre (2017), o conceito de aporofobia é definido como "aversão ao pobre", diferenciando-o do xenofobia e do racismo. Segundo Cortina, a sociedade contemporânea tolera o diferente enquanto ele não ameaça os privilégios económicos: "não se teme o estrangeiro rico, mas sim o pobre”.

Na arquitetura, a aporofobia manifesta-se subtilmente quer seja na ausência de assentos em paragens de autocarros ou em prédios sem acessibilidade plena para pessoas com deficiência física ou com mobilidade reduzida. O projeto arquitetónico, consciente ou não, pode ser um instrumento dessa exclusão. Onde se situa, então, a fronteira entre exclusão e inclusão? Talvez esteja precisamente no modo como são desenhados os espaços para acolher, ou rejeitar, as individualidades e subjetividades diversas.

Neste cenário, a fronteira emerge como metáfora e realidade. É o local onde se encontram mundos distintos: inclusão e exclusão, privilégio e vulnerabilidade, acessibilidade e barreiras. A fronteira, entendida aqui não como muro, mas como espaço de contactos, é onde a arquitetura pode realizar uma transformação ética. Ao desenhar espaços fronteiriços (zonas de transição, de encontro, de convivência), a arquitetura tem o poder de romper com a lógica aporofóbica que invisibiliza ou afasta quem não se encaixa no modelo dominante.

A acessibilidade, segundo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), deve ser entendida como um direito humano fundamental. Na arquitetura, implica criar ambientes que permitam a todos o uso independente, seguro e digno dos espaços. Conforme Henri Lefebvre, em O Direito à Cidade (2001), o direito à cidade envolve "não apenas o acesso aos espaços urbanos, mas a participação plena na vida coletiva que esses espaços possibilitam". Assim, a acessibilidade não é meramente técnica, é política e ética.

Criar espaços acessíveis é mais do que atender a normas técnicas, é afirmar que todos, independentemente das suas condições físicas, sociais ou económicas, têm a sua dignidade reafirmada e direito ao espaço comum protegido. Uma rampa, piso tátil, casas de banho adaptadas, percursos acessíveis: cada um destes elementos é um gesto concreto de hospitalidade. Mas para além da técnica, o que está em jogo é a vontade política e ética de reconhecer o outro não como ameaça, mas como parte essencial da coletividade.

A invisibilidade não se faz sentir apenas na arquitetura, mas também nas sondagens, estatísticas e números que se usam como justificação para o não atendimento às necessidades de quem difere do modelo dominante. Alegar que uma passagem de peões, uma paragem de autocarro ou um estabelecimento comercial não são usados por pessoas com deficiência não se traduz numa falta de necessidade de os tornar acessíveis. Esse eventual não uso poderá significar apenas que as barreiras existentes desencorajam ou impossibilitam o uso. O que está em causa é a oportunidade para usar, não necessariamente o desejo de o fazer.

Implementar a acessibilidade plena nos projetos arquitetónicos é resistir à lógica da exclusão. Trata-se de um ato de reconhecimento da dignidade de cada pessoa, independentemente da sua condição social, física ou económica. Como afirma Imrie (1996), "a construção do ambiente urbano é uma prática social que pode reproduzir ou desafiar as relações de poder". Espaços acessíveis tornam-se, assim, zonas de fronteira transformadas: locais onde a diversidade é não apenas tolerada, mas promovida como valor social.

Assim, fronteira, arquitetura e acessibilidade entrelaçam-se como conceitos fundamentais contra a aporofobia. Projetar espaços acessíveis nas áreas metropolitanas, em comunidades marginalizadas, em bairros populares, não é apenas uma necessidade prática: é uma declaração de pertença e de respeito. Quando a arquitetura desenha fronteiras abertas e permeáveis, transforma a exclusão em encontro, transforma o medo do pobre no acolhimento do diverso.

Portanto, combater a aporofobia através da arquitetura acessível é pensar os espaços como pontes, e não como muros. É redesenhar a fronteira para que esta não separe, mas aproxime. A verdadeira arquitetura inclusiva e acessível nasce deste mesmo desafio: pensar e criar lugares onde a diferença seja visível, valorizada e plenamente integrada, e onde a vulnerabilidade não seja motivo de exclusão, mas de cuidado coletivo e reafirmação de um sentimento de pertença.

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