Tudo está interligado
«Tudo está interligado», uma das ideias simples que vai reaparecendo na “Laudato Si’” qual “leitmotiv”, explica porque temos de considerar a ecologia de modo abrangente. Dito de forma um tanto simplista, está em causa a Terra e o ambiente.
Rita Veiga, RCCC
21 de agosto de 2024
O mote para as cinco semanas do Tempo da Criação 2024 [1] é ter esperança e agir com a criação e, em consonância com isso, o Papa convida-nos a rezar pelo grito da Terra, em Setembro. Pois é, não há volta a dar! É a cada um(a) de nós, às pessoas de boa vontade, que são dirigidos os apelos a que se concretizem mudanças que abrandem, e eventualmente compensem, as alterações climáticas, que visivelmente estão a tornar hostil a nossa mãe-terra. Mas é muito mais o que está em causa, por isso a “Laudato Si’” fala de ecologia “integral”.
Além da mensagem do Papa sobre o tema do Tempo da Criação e da intenção de oração, não será descabido sugerir que revisite aquele documento quem já o leu e aconselhe a sua leitura a outros. Na verdade, vai fazer dez anos em 2025 que foi publicada esta carta encíclica, que constitui um marco no pensamento social da Igreja, mas continua amplamente desconhecida entre os próprios católicos. Mantém uma actualidade notável e tem sempre tanto para nos deixar a pensar.
«Tudo está interligado», uma das ideias simples que vai reaparecendo na “Laudato Si’” qual “leitmotiv”, explica porque temos de considerar a ecologia de modo abrangente. Dito de forma um tanto simplista, está em causa a Terra e o ambiente; isso afecta todos os seres vivos que a habitam, até às sociedades humanas, em especial os grupos mais vulneráveis; e a dimensão espiritual da criação vai empalidecendo, fazendo pouco eco no íntimo de homens e mulheres que ficam empobrecidos e bastante à deriva. É a vez da nave Terra comunicar: «Alô, gentes. Penso que temos um problema.»
Na verdade, andamos a arrastar os pés, quando é mesmo preciso mudar comportamentos e alterar o estilo de vida. Por exemplo, não pode continuar um consumismo que é inviável para a casa comum e assenta em exploração escandalosa de trabalhadores de geografias distantes. Serenas, e poéticas mesmo, foram as palavras do patriarca ecuménico Bartolomeu (cf. LS 9) quando propôs uma outra atitude de ascese: «Aprender a dar, e não simplesmente renunciar. É um modo de amar, de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa.»
À mudança de atitude individual segue-se procurar agir em conjunto para atingir objectivos maiores. Passa-se ao plano social e político, onde é preciso conciliar solidariedade e sentido de justiça social com exigência e responsabilidade cidadã. É exigente. O Papa, na sua mensagem, mostra-se confiante: «O Espírito torna os fiéis criativos, proativos na caridade. Coloca-os num grande caminho de liberdade espiritual, não isento da luta entre a lógica do mundo e a do Espírito.»
Francisco recomenda mais uma vez (cf. Laudate Deum 28) que se pondere «a questão do poder humano, do seu significado e dos seus limites» e acrescenta sem floreados: «A terra está confiada ao homem, mas continua a ser de Deus.» E a intenção de oração para setembro – pelo grito da terra – é para que esse grito e os das vítimas das catástrofes naturais nos levem a «comprometermo-nos pessoalmente a cuidar do mundo que habitamos». Já agora, recuando à intenção de agosto – pelos líderes políticos –, repare-se na sua afirmação de que «para um cristão, a política não é poder, mas serviço».
É incontornável que precisamos de encontrar novos caminhos e discernir em conjunto os rumos que incluam todos, que retomem o plano de amor indefectível do Criador. Ao longo do pontificado de Francisco tornaram-se-nos familiares alguns conceitos práticos que são como candeias que guiarão os nossos passos para dar resposta a diferentes situações que nos desgostam ou escandalizam. Fraternidade e amizade social, solidariedade e justiça intergeracional, abertura ao outro, diálogo e proximidade, cuidar e partilhar e acompanhar, e também contemplar e maravilhar-se, entre tantos outros. Não esqueçamos, porém, que há uma infinidade de atitudes e de gestos que, ainda que passem despercebidos, reflectem na existência humana a presença do Senhor, que nos ama, pois só ama. E cito uma recomendação da bula de proclamação do Jubileu de 2025 [2]: «Para não cair na tentação de nos considerarmos subjugados pelo mal e pela violência, é necessário prestar atenção a tanto bem que existe no mundo.»
Termino com uma observação que vem na mensagem para o Tempo da Criação (pontos 7 e 8) e que carece, da nossa parte, de reflexão e mesmo de formação, para os que somos leigos na matéria. É o seguinte: «a salvaguarda da criação não é apenas uma questão ética, mas é eminentemente teológica: na realidade, diz respeito ao entrelaçamento entre o mistério do homem e o mistério de Deus». Este é um excerto de uns parágrafos mais desenvolvidos, mas fica para aguçar a vontade de aprofundar. Não por acaso, o encontro Também somos Terra, da REDE Cuidar da Casa Comum – que este ano se realiza no dia 5 de Outubro, na Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, em Lisboa – terá como tema “A ecologia integral como lugar teológico”. Todos serão bem-vindos!