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Quando a criação grita e nós permanecemos surdos

A continuidade do mundo em que vivemos está comprometida. Terei eu consciência de que as alterações climáticas estão a destruir vidas, comunidades e o futuro dos mais pobres?

Quando a criação grita e nós permanecemos surdos
Mafalda Guia
11 de setembro de 2024

Estamos a viver o Tempo da Criação 2024, tempo em que a Igreja Católica e demais denominações cristãs tradicionalmente se mobilizam para refletir sobre o cuidado da casa comum. Com o tema "Esperançar e agir com a Criação", inspirado na Carta de São Paulo aos Romanos, este período anual, celebrado de 1 de setembro a 4 de outubro, convida-nos a renovar a nossa esperança e a tomar medidas concretas para proteger o planeta. O Papa Francisco, na sua Mensagem para a Celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, destacou que viver segundo o Espírito nos impõe uma responsabilidade especial: cuidar da nossa casa comum e resistir à degradação ambiental, atuando com fé e amor. O Papa Francisco reforça que toda a criação sofre, muitas vezes sem culpa própria, devido ao abuso humano da natureza. No entanto, lembra-nos que há uma esperança segura em Cristo, que promete a libertação de toda a criação, sublinhando a necessidade de uma conversão ecológica que nos leve a alterar os nossos estilos de vida para resistir à exploração desenfreada do meio ambiente.

Paralelamente a este tempo que celebramos, o Papa Francisco está a realizar a sua 45.ª Viagem Apostólica, a mais longa do seu pontificado, com visitas à Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura. Durante esta viagem, no seu discurso às autoridades e sociedade civil da Indonésia, o Papa salientou a importância de uma verdadeira implementação de políticas de justiça social, alertando para a falta de compromisso prático, que agrava a situação dos mais vulneráveis: "Apesar das impressionantes declarações de política, falta um verdadeiro compromisso com a implementação dos princípios de justiça social. Como resultado, uma parte considerável da humanidade é deixada à margem, sem meios para uma existência digna". Esta observação reflete o apelo constante do Papa para que os líderes políticos e sociais tomem medidas concretas para combater a desigualdade e os efeitos das alterações climáticas nos mais pobres.

A prova de que estas desigualdades são reais e de que já se materializaram está evidenciada no mais recente relatório do Banco Mundial, “Choosing Our Future: Education for Climate Action”, que indica que “apenas nos últimos dois anos e meio, mais de 404 milhões de crianças ficaram impedidas de frequentar a escola devido a fenómenos meteorológicos extremos”. Este dado aterrador revela uma das muitas faces invisíveis da crise climática: a interrupção da educação e a perda de oportunidades para gerações inteiras de crianças. A perda de acesso à educação compromete não apenas o crescimento individual, mas também o desenvolvimento sustentável das nações mais pobres, exacerbando ciclos de pobreza e exclusão.

Ondas de calor extremo, secas, cheias e desastres naturais estão a tornar-se o “novo normal”, e a incapacidade de governos e instituições em responder de forma eficaz agrava o impacto social. A este respeito, o Papa Francisco tem sido uma voz incansável a apelar à responsabilidade coletiva e à ação concreta. O Papa pediu que, perante esta crise, não nos limitemos à apatia ou ao fatalismo, mas que atuemos com urgência e solidariedade.

A mensagem central da encíclica Laudato Si’ e da mais recente exortação Laudate Deum é clara: a crise climática é uma questão moral, e o cuidado com a criação é um dever cristão. Devemos agir com esperança, sabendo que, embora a situação seja grave, ainda há tempo para evitar as piores consequências se mudarmos os nossos comportamentos. Cada pequeno gesto conta, desde a redução do consumo de recursos até à pressão sobre os líderes políticos para implementar políticas ambientais mais rigorosas e justas.

Neste Tempo da Criação, somos chamados a fazer mais do que apenas observar e lamentar. Somos chamados à conversão ecológica, a uma mudança interior que se reflete nos nossos atos diários e no modo como cuidamos da casa comum. O Papa Francisco lembrou-nos, com vigor, que a crise climática é também uma crise social e que a verdadeira justiça só será alcançada quando cuidarmos dos mais pobres e vulneráveis.

Este período é uma oportunidade para refletirmos sobre o nosso papel enquanto guardiões da criação de Deus. As mudanças que enfrentamos não podem ser ignoradas, pois, como alertou o Papa, "o futuro de todos depende do presente que escolhermos". O grito da terra e o grito dos pobres são um só, e cabe-nos a todos responder a este apelo, especialmente aqueles que seguem a fé cristã. Lembremo-nos de que a ação climática é uma forma de praticar o amor ao próximo. Quando protegemos o ambiente, protegemos também os mais pobres e vulneráveis. E como católicos, devemos ser os primeiros a mostrar o caminho, acolhendo o apelo do Papa Francisco: “Escolhamos a vida, escolhamos o futuro, escutemos os gemidos da terra e os gritos dos pobres.”

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