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Histórias maiores que a própria vida

... apesar das dificuldades, se nos dispusermos à missão, podemos fazer parte de uma grande teia de solidariedade e afetividade, e ajudar a reconstruir uma vida do zero.

Histórias maiores que a própria vida
Fernanda Capitão

Há alguns dias, enquanto aguardava pela hora de uma consulta, entrei numa loja para passar o tempo e a meio fui surpreendida por uma jovem colaboradora que, como é habitual, se aproximou e apresentou as habituais promoções. Respondi-lhe que estava apenas a ver, mas ela manteve-se ao meu lado a olhar para mim e perguntou-me o meu nome. Estranhei a pergunta, mas após um breve momento de hesitação, respondi. O olhar dela, raso de lágrimas, fixou-me e deixou-me por momentos atrapalhada. “Sou filha da Ana (nome fictício)” e imediatamente um turbilhão de memórias vieram à minha mente.

Há dez anos, foi-nos sinalizada uma família numerosa que acabara de chegar à cidade. Conseguiram alugar um apartamento, mas não tinham nada lá dentro. Disponibilizei-me a fazer uma visita domiciliária com outra vicentina. Em pleno inverno, entrámos no apartamento e verificámos um vazio desolador na sala. Vimos quatro crianças com o medo estampado no olhar, embrulhadas num cobertor. Nos quartos, malas de viagem e dois colchões no chão. Na cozinha, um fogão, mas não havia a botija de gás para poderem cozinhar. Deixámos alguns alimentos, roupas quentes e saímos chocadas com o que acabávamos de ver. Era urgente apoiar esta família, precisavam de tudo! Era tempo de pegar no telefone e iniciarmos contactos. Rapidamente, formou-se uma rede de solidariedade e pouco a pouco, como por milagre, o que era necessário foi surgindo. De uma instituição vieram dois beliches; uma família ofereceu uma botija de gás; outras famílias doaram móveis, pratos, talheres, panelas, cortinados, toalhas, brinquedos, roupa. Numa carinha cedida por um benemérito, levámos os móveis para a casa. Foi necessário transportar os beliches pelas escadas acima, fazer a ligação da botija de gás para o fogão, montar as camas, arrumar as roupas, os brinquedos… tudo por uma causa maior, pelo bem-estar daquelas vidas que recomeçavam do zero.

Os ecos dessa generosidade perduraram ao longo dos anos e hoje, uma década depois, estavam estampados no rosto daquela jovem. Contou-me que conseguiu tirar um curso e estava a trabalhar, assim como os seus irmãos, seguiram com as suas vidas com dignidade e esperança. Recordei ainda o convite que a família nos tinha feito para almoçarmos juntos – um momento em que duas famílias, como tantas outras, partilharam fraternalmente uma refeição. Nesse almoço ouvi histórias de perseguição e sofrimento, mas também de superação e fé. Recordo a luz da esperança, de um novo recomeço, a brilhar no rosto daqueles pais.

É nestes momentos que a vida nos ensina as lições mais valiosas: que apesar das dificuldades, se nos dispusermos à missão, podemos fazer parte de uma grande teia de solidariedade e afetividade, e ajudar a reconstruir uma vida do zero.

É também nestes momentos que percebemos como pequenos gestos podem deixar marcas profundas na vida daqueles a quem somos chamados a ajudar. De facto, com humildade e amor somos todos chamados a fazer parte de histórias maiores que nossas próprias vidas.

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