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Estará na altura da espécie humana dar lugar a outra

A continuidade do mundo em que vivemos está comprometida. Terei eu consciência de que as alterações climáticas são uma ameaça real com um impacto direto na vida de cada um de nós?

Estará na altura da espécie humana dar lugar a outra
Mafalda Guia
24 de janeiro de 2024

Terminado o ano de 2023, é tempo de fazermos um balanço dos acontecimentos vividos, definir objetivos e traçar uma estratégia para atingirmos as metas a que nos propomos para o novo ano. Mais do que um balanço pessoal, hoje quero partilhar convosco o balanço climático de 2023 e de como podemos, cada um nós, contribuir para um mundo melhor.

Mal o novo ano começou, a seguinte manchete jornalística resumia muito bem o que vivemos o ano passado em termos climáticos: “2023 foi o ano mais quente das nossas vidas e 2024 continua a aquecer. É mesmo verdade, 2023 foi o ano mais quente desde que há registos, e roçámos os limites de 1,5 graus do Acordo de Paris: a temperatura média global esteve 1,49 graus acima dos valores antes da Revolução Industrial, divulgou o serviço de observação da Terra da União Europeia, Copérnico. E não ficamos por aqui: é provável que, no primeiro trimestre de 2024, o excesso de temperatura ultrapasse 1,5 graus. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) avisou que o ano de 2024 pode bater o recorde de calor ocorrido em 2023 devido ao fenómeno El Niño, fenómeno caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico equatorial, o que provoca uma série de fenómenos atmosféricos capazes de condicionar as condições meteorológicas e o clima a nível global (in Jornal Publico)”.

Desastre é a primeira palavra que me ocorre escrever ao ler esta notícia, não só pelos factos divulgados, mas pelo presságio de que o futuro será ainda pior. Tal como em 2022, o ano de 2023 voltou a ficar marcado pelas consequências do aquecimento global: ondas de calor extremas, incêndios, degelo de glaciares e consequente subida do nível médio das águas do mar; períodos de precipitação intensa que submergiram enormes regiões de vários países, inundando cidades inteiras e originando deslizamento de terras. E no meio de todos estes desastres, o ano termina com mais uma COP (a Conferências das Partes, um evento anual promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU), que reúne representantes de todo o mundo, entre eles, diplomatas, governos e membros da sociedade civil, com o objetivo de discutir e organizar as iniciativas sobre os impactos das mudanças climáticas), desta vez nos Emirados Árabes Unidos, que além de ter estado envolta em escândalos pelo facto do anfitrião responsável pelas negociações sobre o clima, Sultan Al Jaber, ser também o presidente da Adnoc, uma das maiores empresas petrolíferas do mundo, e ter utilizado o momento para discutir e definir acordos entre empresas de exploração de gás e petróleo, na opinião de vários especialistas, foi mais uma tentativa de acordo e compromisso falhada.

De acordo com a Declaração do Movimento Laudato si’ (fundado em 2015 por um grupo de 17 organizações católicas e 12 líderes de realidades universitárias e sociais de todos os continentes, empenhados em ajudar os fiéis a responder às exortações da encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum) a propósito da COP 28, “os resultados são uma resposta insuficiente à urgência climática com compromissos incipientes para a transição dos combustíveis fósseis”. E apesar do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, ter afirmado que “pela primeira vez, há um reconhecimento da necessidade de abandonar os combustíveis fósseis – depois de muitos anos em que a discussão desta questão esteve bloqueada”, alguns países demonstraram as suas preocupações alegando que o texto do acordo que resulta da COP28 “não proporciona o equilíbrio necessário para reforçar a ação global para a correção do rumo das alterações climática; é incremental e não transformacional”.

Contrariamente ao que se previa, o Papa Francisco não teve oportunidade de participar na COP28 por questões de saúde, contudo, deixou uma mensagem apocalítica aos líderes reunidos nos Emirados Árabes Unidos: “Infelizmente não posso acompanhar-vos, como desejaria, mas estou convosco, pela urgência da hora que vivemos. Estou convosco, porque, agora mais do que nunca, o futuro de todos depende do presente que escolhermos. Estou convosco, porque a devastação da criação é uma ofensa a Deus, um pecado não só pessoal mas também estrutural que recai sobre os seres humanos, sobretudo os mais débeis, um grave perigo que grava sobre cada um com o risco de desencadear um conflito entre as gerações. Estou convosco, porque a mudança climática é «um problema social global que está intimamente ligado à dignidade da vida humana» (Francisco, Exort. ap. Laudate Deum, 3). Estou convosco para formular uma pergunta a que somos chamados a responder agora: estamos a trabalhar para uma cultura da vida ou da morte? Com veemência, vos peço: escolhamos a vida, escolhamos o futuro! Escutemos os gemidos da terra, demos ouvidos ao grito dos pobres, prestemos atenção às esperanças dos jovens e aos sonhos das crianças! Temos uma grande responsabilidade: garantir que não lhes seja negado o próprio futuro.”

Apesar dos apelos e das tentativas para despertar os grandes líderes para a resolução do problema ambiental – que se transformou num problema social gravíssimo –, todos os dados científicos divulgados até ao momento levam-nos a conclusões pouco animadoras, que nos devem deixar em estado de alerta e preocupados. Aliás, as alterações climáticas já são um tema tão recorrente, pelos piores motivos, que muitas pessoas acabam mesmo por sofrer de ecoansiedade, um nome utilizado para designar ansiedade climática e que, apesar de ainda não ser considerada uma condição clínica, é o resultado de um medo crónico em relação ao futuro e à incerteza sobre as consequências ambientais e do seu impacto nas nossas vidas. Afeta pessoas com maior consciência ambiental, sobretudo as mais jovens. De acordo com um estudo da Universidade de Bath, e num valor superior à média europeia, 81% dos jovens portugueses consideram o futuro assustador quando pensam nas alterações climáticas. Raiva ou frustração em relação às pessoas que não reconhecem os efeitos das alterações climáticas ou às gerações mais velhas por não alterarem os seus hábitos, pensamento e disposição fatalista, pânico existencial, sentimento de culpa ou de vergonha relacionada com a sua própria pegada de carbono são alguns dos sintomas de stress.

Ainda que a ecoansiedade possa ser um bloqueio, a verdade é que nos deve motivar e levar à ação. Sem dúvida que os decisores políticos nacionais e internacionais, bem como os diferentes agentes económicos, são a chave estratégica para atingirmos a neutralidade carbónica até 2050, mas não nos podemos esquecer da importância que os nossos comportamentos têm na prossecução deste objetivo global. Nunca é demais relembrar que cada um de nós é responsável por contribuir para o cuidado da casa comum e que não precisamos de fazer ações megalómanas para ajudar a travar as consequências das alterações climáticas.

E porque ainda estamos no início de janeiro, tempo de definirmos os objetivos para o novo ano, desafio o leitor a incluir na sua lista de resoluções para 2024 a alteração de comportamentos e estilos de vida pouco sustentáveis. E também porque é importante sermos cidadãos informados e apostarmos na literacia climática para conseguirmos entender claramente o problema climático e ajudar a desmitificar, na nossa cabeça, e na cabeça de quem nos rodeia, a sua origem e consequências, não nos esqueçamos de ler, procurar e consultar os especialistas sobre estes temas, porque informação é poder. Que saibamos acolher o apelo do Papa Francisco: “Por favor, avancemos! Não voltemos atrás…”.

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