Desenvolvimento cultural e sobrevivência global
A consciência de cidadania global postula que hoje há situações nos causam inquietação e já não se podem “esconder debaixo do tapete”.
Pe. Luís Figueiredo Rodrigues
20 de dezembro de 2023
Quando o Papa Francisco se inspira em São Francisco de Assis e publica a Laudato Si’ recorda que «uma ecologia integral requer abertura para categorias que transcendem a linguagem das ciências exatas ou da biologia e nos põem em contacto com a essência do ser humano» (Laudato Si’ 11).
Pese embora, haja diversificadas abordagens do conceito de “cultura”, falar de cultura é fazer o esforço por ter presente o conjunto de conhecimentos, crenças, arte, valores e costumes através dos quais os humanos se desenvolveram e procurar superar os diversos limites que têm como pessoas e como sociedades. Este facto leva a que peça a cada cidadão um «esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da humanidade, e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda. A verdadeira sabedoria, fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas, não se adquire com uma mera acumulação de dados, que, numa espécie de poluição mental, acabam por saturar e confundir» (Laudato Si’ 47).
É neste contexto que a cultura pode ver com apreço o desenvolvimento científico, dado que é aí que se projetam desejos e aspirações, esperanças e temores, angústias e certezas. O facto de que a ciência é importante para o desenvolvimento das sociedades é atestado pela importância que os diversos estados dão a esta matéria e os resultados que se podem verificar, que se traduzem em desenvolvimento e prosperidade dos respetivos povos. O problema mais acutilante que se coloca é o conceito de “ciência” que se preconiza: se, num extremo, algo reducionista, entender a ciência apenas como abrangendo as “ciências duras”; ou, de modo mais equilibrado, entender ciência como o a abordagem sistemática, crítica e devidamente fundamentada daquilo que são as diversas manifestações do espírito humano. O “tipo” de ciência que se preconizar acabará por “gerar” comunidades de cidadãos com uma determinada visão cultural e, por isso, do mundo e de si, mais estreita ou mais ampla.
Ao introduzirmos o elemento “globalização” não se preconiza uma uniformização, à escala planetária, daquelas que são as concretizações culturais de um povo que, assim, seria hegemónico e acabaria por excluir todos os outros. É precisamente o contrário. Trata-se de conhecer, valorizar e enriquecer cada cultura em concreto, com aquilo que outras culturas possam aportar, dentro das liberdades individuais de cada povo ou indivíduo.
E, também aqui, a educação desempenha um papel fundamental: ao ter como objetivo o pleno desenvolvimento da pessoa humana e o reforço do respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. A educação deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento dos povos para a manutenção da paz, como reconhecia já o Padre Manuel Antunes, SJ.
Deste modo advém como possível poder acreditar que a “casa comum”, refletida na Laudato Si’ e almejada pela Agenda 2030 da ONU, incrementam um caminho em que cada vez mais se vê crescer a sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta. A consciência de cidadania global postula que hoje há situações nos causam inquietação e já não se podem “esconder debaixo do tapete”. A ciência já não vida apenas recolher informações ou satisfazer a nossa curiosidade, «mas tomar dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar» (Laudato Si’ 19).